Capacidade estatal e redes de cooperação pública na saúde no controle da pandemia COVID-19

Marco Aurélio Marques Ferreira

marcoaurelio@ufv.br

Universidade Federal de Viçosa – UFV, Viçosa, MG, Brasil.

Magnus Emmendoerfer

magnus@ufv.br

Universidade Federal de Viçosa – UFV, Viçosa, MG, Brasil.

Hugo Marco Consciência Silvestre

hmcsilvestre@unilab.edu.br

Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira – UNILAB, Brasil.

Aldenísio Moraes Correia

aldenisio.mc@gmail.com

Universidade Federal do ABC – UFABC, Santo André, SP, Brasil.


RESUMO

Se antes da COVID-19 a capacidade estatal de prover acesso e atendimento a serviços públicos já era questionável em termos de efetividade, com a rapidez da propagação, contágio e letalidade causada por esta doença pandêmica, isso se tornou um objeto de preocupação central, relacionado à questão urbana e urgente para gestores públicos. Neste contexto, o propósito deste artigo é investigar o papel da capacidade estatal e das redes de cooperação pública, especificamente os Consórcios Intermunicipais de Saúde, no controle de contágio e de letalidade da COVID-19. Como método, a regressão logística binomial foi utilizada para a modelagem considerando 2884 municípios no Brasil. Como principais resultados, a partir das análises realizadas, verificou-se que as quatro hipóteses estabelecidas revelaram evidências para sua aceitação, indicando que a participação de municípios em redes de cooperação pública, como os consórcios intermunicipais de saúde, é uma medida eficaz de gestão urbana para minimizar os efeitos da crise pandêmica. Por fim, a partir da experiência brasileira, como conclusões e contribuições do trabalho, verificou-se que os consórcios intermunicipais de saúde revelam-se elementos coadjuvantes, porém positivos no controle de contágio e de letalidade da COVID-19 em nível regional.

Palavras-chave: Gestão Pública Urbana; Governo Local; Relações Interorganizacionais; Consórcios Intermunicipais.


INTRODUÇÃO

A literatura sobre enfrentamento de crises na saúde é tecnicamente farta. Todavia, ao se tratar da gestão de políticas públicas, a manifestação de desastres ou crises epidemiológicas é categórica ao destacar quão limitada é nossa capacidade de enfrentamento (Lopez et al., 2020). Avanços nessa área são necessários, uma vez que para além do gap da literatura há uma insuficiência trabalhos compreensivos, limitando o aprendizado organizacional e nossa capacidade para o enfrentamento de desafios inevitavelmente recorrentes na área.

No que se refere especificamente a Coronavirus Disease 2019 (COVID-19), a gestão em seus múltiplos aspectos tem se provado determinante para o controle e resiliência tanto no Brasil quanto em outras regiões do planeta.

Aspectos que apontam fragilidades na capacidade estatal, na qualidade da gestão e nos arranjos institucionais têm sido reforçados na literatura recente sobre a COVID-19 e sobre as políticas públicas de enfrentamento. Dentre os trabalhos, destaca-se o de Abrucio et al. (2020) sobre a descoordenação intergovernamental, os de Albuquerque e Ribeiro (2020) e de Guimaraes et. al. (2020) que debatem os desafios e as desigualdades geográficas e regionais e seus reflexos na gestão das políticas de enfrentamento da COVID-19, bem como os trabalhos de Boin e Hart (2003) e Boin et al. (2013) remetendo ao papel da liderança nos momentos de crise. Somado a isso, há análise do modus de gestão pública de crises em destinos turísticos no contexto da COVID-19 (Mediotte et al., 2021).

Nessa tônica, Ali et al. (2020) debate a elevação das fragilidades socioeconômicas em decorrência da COVID-19 e Daumas (2020) aborda como as diferenças na formação das capacidades municipais impuseram limites ao enfrentamento da doença. Dentre essas diferenças a atenção primária na saúde é recorrente em boa parte da literatura atual (Sarti et al., 2020; Fernandes, 2019; Fernandez, 2021).

Os estudos têm evidenciado em geral a necessidade de três aspectos, a saber: i) a coordenação e a liderança; ii) as capacidades estatais e institucionais; e iii) os arranjos, redes e consórcios construídos ou fortalecidos para a resposta sinérgica dos governos e da administração pública no enfrentamento à COVID-19. Entretanto, do ponto de vista empírico, poucos trabalhos avançaram na confirmação desses fatores enquanto elementos de gestão capazes de atenuar o avanço da doença. Sobre essas questões de gestão pública, o presente trabalho lança luzes, tendo como objetivo central: investigar o papel da capacidade estatal e das redes de cooperação pública, especificamente sobre os Consórcios Intermunicipais de Saúde no controle de contágio e de letalidade da COVID-19.

No que concerne à liderança, como destacado por Barberia e Gomez (2020), os cientistas políticos presumiriam que durante uma pandemia, os líderes políticos procurariam usar a situação para aumentar seu poder e elegibilidade, acionando a capacidade estatal, embora no caso do Brasil, o presidente Bolsonaro tenha seguido uma tônica contrária, moldada pela ideologia política negacionista em vez de coordenar o enfrentamento, acionando as capacidades Estatais.

A questão dos arranjos institucionais e da capacidade estatal tem sido aclamada como fator condicionante na execução de políticas públicas de saúde com amplitude nacional (Macedo & Ferreira, 2020). As capacidades de articulação prévia de resposta da atenção primária também têm sido evidenciadas em estudos no contexto da pandemia COVID-19 (Fernandes et. al., 2019; Fernandez et. al., 2021). A formação de capacidade técnica de enfrentamento está presente em Rache et al. (2020), enquanto fatores socioeconômicos foram evidenciados por Varkey et al. (2020), deixando claro que há necessidade de exploração e interlocução entre aspectos técnicos e de gestão.

A necessidade de melhor exploração do papel das redes de cooperação e dos consórcios foi evidenciado pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Santos, 2021), que solicitou respostas efetivas da administração pública e da comunidade científica como um todo. As articulações e a formação de capacidade de resposta da atenção primária oferecem uma série de lições a partir de diversos trabalhos produzidos por Jamielson (2020), Medina (2020) e Mendes et al. (2020), mas ainda com pouco avanço empírico para o preenchimento da lacuna existente. Isso reforça a importância das descobertas apresentadas nesse trabalho, tanto para a literatura da área quanto para a constituição de políticas públicas de enfrentamento de crises e desafios na saúde pública.

A partir do contexto de crise provocado pela pandemia COVID-19, a fundamentação teórica para discutir o objeto deste estudo foi organizada em duas partes. A primeira trata acerca das capacidades estatais e das redes de cooperação pública para a prestação de serviços públicos. A segunda focaliza as capacidades estatais e a cooperação em saúde no Brasil.

Capacidades estatais, cooperação pública e enfrentamento da COVID-19

Os estudos seminais sobre capacidades estatais emergem de discussões sobre o papel do Estado na promoção do desenvolvimento (Cingolani, 2013), o que concede aos governos a autonomia para definir políticas e capacidade para implementá-las, mesmo em conjunturas socioeconômicas adversas (Gomide et al., 2017) e caóticas como a da COVID-19 (Abrucio et al., 2020).

Lindvall e Teorell (2016) ressaltam que os estudos sobre capacidades estatais têm sido pautados em compreender os meios (para se alcançar a capacidade) e/ou os fins (produzidos pela capacidade). Por isso, é importante o esclarecimento sobre a focalização do estudo para se evitar confusões e variabilidade do conceito (Kocher, 2010), e para não o fragilizar em termos teóricos e práticos. Neste sentido, a partir do reconhecimento constitucional de que os governos locais, como no contexto brasileiro, possuem capacidade para prover medidas protetivas em seu território, e corroborar com estudos que buscam compreender as capacidades estatais em atingir os resultados pretendidos por suas escolhas políticas na solução de problemas públicos (Andrews et al., 2017), pretende-se avançar nesse entendimento, frente à COVID-19, enquanto uma questão contemporânea, resultante de capacidade estatal de governos locais.

Assim, apoiado em trabalhos sobre capacidades estatais que examinam redes e governança colaborativa (Mayne et al., 2020), entende-se que a demanda de capacidades político-relacionais por parte de governos locais, somada àquelas técnico-administrativas, visam garantir legitimidade das intervenções estatais para tornar os resultados mais efetivos de forma coordenada (Gomide et al., 2017). Isso requer dos governos locais a construção de redes de interações, diálogos e consensos com diferentes stakeholders de organizações públicas, privadas e organizações não governamentais para implementar ações públicas, em particular, políticas sociais e serviços urbanos essenciais.

A literatura especializada tem tratado a cooperação pública sobre várias óticas como um processo mais estadocêntrico, envolvendo ações de intergovernabilidade ou como um processo mais amplo e sociocêntrico, contemplando a formação de redes e governança pública. Esta última, porém, não exclusiva a esta temática, pode ocorrer de forma horizontal entre entes governamentais e organizacionais; no mesmo nível, como os municípios e governos locais; e de forma vertical, podendo também envolver entes estaduais e federais.

Estas redes de cooperação para a prestação de serviços públicos são utilizadas para alavancar a capacidade organizacional e operacional das unidades em cooperação. Elas tornaram-se uma resposta aos constrangimentos econômicos e sociais com que os municípios se confrontam historicamente (Aldag et al., 2020). Assim, procura-se pela cooperação maior eficiência e efetividade na prestação desses serviços. A maior eficiência poderá ser uma consequência do aproveitamento das economias de escala, assumindo essa ser o objetivo primário da cooperação. Deste modo e em hipótese, o acréscimo de uma unidade de consumo tende a diminuir os custos unitários de produção. Sendo reduzidos esses custos unitários, a efetividade desses serviços aumenta em virtude da inclusão de maior número de cidadãos no consumo. Potencialmente, são os municípios de menor porte geográfico e demográfico quem mais podem se beneficiar pela cooperação. Porém, também os grandes centros urbanos poderão potencializar as suas capacidades de prestação de serviços através das redes de cooperação (Hefetz e Warner, 2012).

Questiona-se, contudo, a efetividade dos serviços prestados por meios de redes de cooperação. Provan e Milward (2001) mencionam que a cooperação demanda ajuste entre as unidades cooperantes. Além disso, arrematam que esse ajuste é difícil de alcançar, o que levará à ineficiência e inefetividade dos serviços prestados por meio de redes. Já Aldag et al. (2020) aludem que a efetividade da cooperação depende do tipo de serviço e das condições sociodemográficas presentes, não sendo regra que a cooperação seja eficaz em todos os setores e circunstâncias.

Para fins deste artigo, o enfoque será nos mecanismos ou meios de cooperação pública constituídos para enfrentar problemas de interesse comum como o provimento do acesso universal à saúde, especificamente, aos consórcios de saúde intermunicipais. No Brasil, o acesso a serviços de saúde está previsto como direito constitucional, cujo provimento deve ser garantido pelo Estado por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).

Redes de cooperação pública em saúde no Brasil

O SUS congrega um conjunto complexo e amplo de serviços de “atenção primária, média e alta complexidades, os serviços urgência e emergência, a atenção hospitalar, as ações e serviços das vigilâncias epidemiológica, sanitária e ambiental e assistência farmacêutica” (Brasil, 2022). Para coordenar este sistema, tem sido fomentado no âmbito do SUS o emprego de instrumentos gerenciais para promover a cooperação pública intergovernamental (Lopez et al., 2020, p. 8) como a “transferência condicionada de recursos governamentais; mecanismo comumente utilizado pela União para induzir a implementação de novos programas e serviços públicos pelos entes subnacionais, particularmente pelos municípios”.

Neste sentido, na área de saúde observa-se que “os municípios se consorciam com maior frequência, para lidar com problemas de escala, com os elevados custos da assistência médico-hospitalar e evitar as transferências de ônus de um ente federado para outro” (Lopez et al., 2020, p. 8), como os governos estadual e federal. Assim, concordando com Ribeiro (2015), diante de questões regionais como a saúde, governos locais têm estabelecido acordos de cooperação pública através de consórcios intermunicipais para atender às demandas que se apresentam nos municípios.

Estes consórcios (contractual networks) têm sido uma solução da gestão pública empregada para o provimento dos serviços de saúde no Brasil. Eles são objeto de vários estudos (Flexa & Barbastefano, 2019). No entanto, diante da COVID-19 enquanto um problema urbano, qual tem sido a influência dessa capacidade estatal orientada para cooperação pública por meio de consórcios de saúde para o enfrentamento desta pandemia? Nessa direção, a explicitação dos elementos que influenciam determinados eventos, ou dos fatores que causam o fenômeno de interesse dos pesquisadores, fazem-se necessárias (Kocher, 2010) para melhor compreensão e resposta dos gestores públicos a respeito dessa questão urbana.

Dentre os diversos fatores debatidos na literatura como condicionantes da propagação e letalidade da COVID-19, três se destacam: i) a capacidade estatal composta pela infraestrutura e pelos recursos aplicados no setor de saúde (Lopez et al., 2020); ii) a capacidade de nucleação e de consórcio dos governos locais na resolução dos problemas públicos de saúde (Flexa e Barbastefano, 2019); e iii) os fatores demográficos (Dowd et al., 2020), econômicos e sociais (Qiu et al. 2020) capazes de agravar ou retardar os processos epidemiológicos.

Os fatores demográficos, associados aos níveis socioeconômicos e às condições de desenvolvimento humano do munícipio, são reconhecidamente debatidos na literatura (Mondal & Shotan, 2014) como determinantes ou intervenientes das condições de saúde nos municípios (Miranda et al., 2017), embora empiricamente houvessem ainda poucas evidências no processo da COVID-19 no Brasil. Presume-se, assim, que a idade, o nível de desenvolvimento, a educação, o poder aquisitivo das famílias, entre outros elementos desempenhem papel importante no processo de propagação e letalidade de doenças com as características da COVID-19, que afetam as pessoas e os estratos sociais de forma diferente, especialmente por causa das desigualdades sociais (Bowleg, 2020).

Todavia, embora relevantes, os fatores demográficos em maior escala, e os socioeconômicos em menor, estão fora da alçada gerencial ordinária do setor público, particularmente, no curto prazo (Dowd et al., 2020). Já a capacidade estatal e o processo de cooperação pelo consórcio podem ser interpretados como ações gerenciais intrínsecas ao papel da administração pública, em particular dos governos locais com respostas imediatas.

O termo ordinário é empregado acima, uma vez que extraordinariamente as ações impetradas no controle da propagação e de letalidade da COVID-19 agiram diretamente sobre as diversas variáveis. De fato, ações como lockdown (Alvarez et al., 2020), isolamento social e restrições ao comércio (Hale et al. 2020) operaram sobre variáveis que regularmente não estariam no domínio dos governos locais, assim como outras dezenas de ações, menos visíveis para além do território municipal, aplicadas por esses governos (Mendes et al., 2020) dentro de suas capacidades e criatividades frente à crise pandêmica.

Hipóteses da pesquisa

Para a construção das hipóteses, partiu-se do fato de que, embora muito tenha sido investigado sobre COVID-19, existe ainda uma série de perguntas cujas respostas se encontram em aberto, especialmente diante da guerra de narrativas no campo político. São justamente essas respostas que formarão as capacidades para o enfrentamento de outras pandemias ou crises emergenciais de Saúde, preenchendo uma falha existente na literatura da área. Para Castro et.al. (2021, p. 4.) “nenhuma narrativa singular explica a propagação do vírus entre os estados do Brasil. Em vez disso, camadas de cenários complexos se entrelaçam, resultando em epidemias variadas e simultâneas de Covid-19 em todo o país”.

Nessa tônica, o trabalho tem como proposta empírica testar as seguintes hipóteses investigativas, visando compreender melhor o papel do Estado na formação e articulação de suas capacidades no enfrentamento epidemiológico.

H1 = Fatores demográficos, econômicos e sociais são importantes condicionantes do processo de controle da propagação da COVID-19

H2 = Fatores demográficos, econômicos e sociais são importantes condicionantes do processo de controle da letalidade por COVID-19

H3 = A capacidade estatal exerce influência positiva no processo de controle da propagação da COVID-19

H4 = Os consórcios públicos exercem influência positiva no processo de controle da letalidade da COVID-19

Hipóteses H1 e H2 versam sobre tema já recorrente na literatura, mas cuja importância na Administração Pública frente a esta questão urbana não pode ser menosprezada, uma vez que a excessiva responsabilidade depositada nas mãos dos gestores públicos e governos locais pode ser injusta, uma vez que vários dos fatores de propagação e letalidade extrapolam, em tese, a alçada do poder executivo municipal. Nesse processo, restrições às atividades comerciais e medidas de isolamento social são de longe competência ordinária do gestor público ou do governo local, principalmente, em países federativos como o Brasil.

Hipóteses H3 e H4 dependem fundamentalmente da ação ordinária de gestão do poder público municipal. A hipótese H3 se justifica pelo fato de que o processo de contaminação pode ser retardado por decisões do governo local, envolvendo tanto a estrutura, quanto a capacidade de medidas articuladas entre os governos locais de uma mesma base geográfica. Dentre algumas possíveis ações com efeito positivo na propagação estão as campanhas de vacinação prévia, as barreiras sanitárias e os testes para a detecção e isolamento, de forma célere. A hipótese H4 se justifica pelo fato de que, havendo a contaminação, é justamente a estrutura local (recursos financeiros, médicos, aparelhos, dentre outros) associados à capacidade de uso das redes de maior complexidade, via consórcios e parcerias, que facilitarão o enfrentamento e a diminuição das fatalidades. Nesse ponto, a existência de consórcios e uma capacidade pública de saúde bem fundamentada poderão influenciar decisivamente os índices de controle da mortalidade.

Nessa vertente, desenvolve-se o argumento central dessa pesquisa, como segue. Os governos locais foram incentivados à promoção de ações de distanciamento, prevenção e isolamento social (Hale et al., 2020), visando o achatamento da curva de propagação do contágio. O objetivo era evitar o estrangulamento da rede de atendimentos hospitalar e ganhar tempo para que os municípios pudessem se precaver com ações de aparelhamento emergencial do estado, visando mitigar os efeitos pandêmicos e minimizar a letalidade promovida pela COVID-19 (Alvarez et al., 2020).

Todavia, considerando que existem capacidades estatais, mecanismos de cooperação pública e condições sociais, econômicas e demográficas municipais diferentes para os diversos governos locais, espera-se que os municípios com melhores condições tenham logrado maior êxito que os demais na implementação de suas estratégicas, como os consórcios, para controle de propagação e de letalidade.

Conhecer o real efeito desses condicionantes propiciará a melhor exploração desses elementos tanto pela academia na construção de modelos, via investigações científicas com abordagem empírica, quanto pelos líderes políticos, analistas de políticas públicas e gestores urbanos que poderão orientar suas ações com base nas descobertas e busca por melhores teorias (Sabatier, 2007) para lidar com os problemas públicos.

MÉTODO DE PESQUISA

Este artigo seguiu os preceitos éticos em pesquisa na área de Ciências Humanas e Sociais, conforme diretrizes do Conselho Nacional de Saúde, resolução n.510, de 7 de abril de 2016. O período dos dados é de 25 de fevereiro a 25 de outubro de 2020. Estes dados foram coletados em boletins epidemiológicos sobre os municípios, publicados pelas secretarias estaduais de saúde do país (Brasil.io, 2021).

Sobre os municípios, foram reunidas informações financeiras coletadas no Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (Brasil, 2019c) e Secretaria do Tesouro Nacional (Brasil; FINBRA/SICONFI, 2019a). Também foram coletados dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (Brasil, 2019b), que contabilizou o número de organizações prestadoras de serviços de saúde em cada governo local, juntamente com os Recursos Humanos existentes no SUS; número de leitos de internação e leitos complementares do SUS, além do número de hospitais de média e alta complexidade municipais. Informações sócio-demográficas, como estimativa da população residente, densidade populacional e índice de desenvolvimento municipal também foram consideradas, a partir do IBGE (2015; 2017) e do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, organizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada - IPEA, e Fundação João Pinheiro - FJP (2013).

Os dados de propagação e de letalidade foram coletados e analisados em medidas diárias relativas (taxas, proporções e índices), considerando dois momentos ao longo de oito meses da pandemia COVID-19 – primeira onda: T1 (1º ao 4º mês) e T2 (5º ao 8º mês). Para a comparação dos resultados de propagação e de letalidade foi construída uma base cross section contendo os dados para os dois períodos. O propósito era captar o comportamento da propagação e da letalidade entre os diferentes municípios, entre os dois períodos de tempo, a partir das intervenções locais materializadas em duas proxies de controle de propagação e letalidade. A motivação de construção de dois períodos foi para conter os efeitos de retardamento de registro e outros vieses das estruturas burocráticas diferentes entre os municípios. Os efeitos de retardamento idiossincráticos são minimizados ao comparar o município com ele mesmo nos dois períodos.

Medidas de resultados

Para testar as hipóteses, dois constructos foram utilizados como variáveis dicotômicas de resposta nos modelos estatísticos, da seguinte forma: i) Controle do contágio: 1=para os municípios que conseguiram melhor desempenho no controle de contágio na comparação entre os dois períodos, em relação aos pares e 0=para os demais municípios; ii) Controle da letalidade: 1=para os municípios que conseguiram melhor desempenho no controle da letalidade na comparação entre os dois períodos, em relação aos pares e 0=para dos demais municípios. Para o corte de desempenho foi considerada a média menos 1/3 de desvio-padrão da variável de interesse contra o restante para a composição do sucesso. Essa medida foi construída a partir de uma análise de sensibilidade, considerando que o coeficiente de variação é muito alto.

O universo inicial foram os municípios brasileiros (5.570), mas devido à disponibilidade e consistência das informações disponibilizadas, a amostra foi reduzida para 2.884 municípios contemplando todas regiões e estados do Brasil. Para a operacionalização das análises foram construídos modelos com variáveis dependentes qualitativas pela técnica de regressão logística binomial, com a seguinte caracterização de resposta: Y=1: Sucesso e Y=0: Fracasso.

O sucesso é qualificado como o desempenho relativo do município no controle da propagação ou letalidade por COVID-19, de acordo com os dados oficiais. Para a medida de desempenho positivo (Sucesso estatístico) foi considerado estar no estrato da média menos desvio padrão, entre os dois períodos de tempo, para contágio e morte, o que representou 36,37% e 74,17% dos municípios, respectivamente. Os demais municípios pertencentes a qualquer valor superior a esse corte (média menos desvio-padrão) foram classificados como desempenho ruim (Fracasso estatístico), conforme Tabela 1.

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Ressalta-se o crescente uso de modelos de previsão de risco na área de saúde pública e políticas urbanas como os estudos de Acheampong e Avorgbedor (2017) e Montez (2020) em contextos metodológicos semelhantes ao delineado nesse estudo. Para a previsão de risco associados à COVID-19, especificamente, estudos têm confirmado o potencial da técnica, sendo oportuno ressaltar os trabalhos de Xiong et al. (2020) e Zhou et al. (2020).

A regressão logística consiste em um modelo econométrico de seleção qualitativa, uma vez que gera respostas de procedimentos qualitativos do tipo presença ou ausência de um determinado atributo (Pindyck & Rubinfeld, 2018). O Logit é baseado na função de probabilidade logística acumulada:

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Nessa equação, Pi é a probabilidade de ocorrência de um evento dada a ocorrência de Xij na observação i, onde k é o número de observações existentes, F(.) é a função distribuição acumulada, βj é o coeficiente da variável independente, Xij e Zi são um índice contínuo teórico determinado pelas variáveis explicativas Xij. A partir de transformações algébricas sobre a equação (1), obtém-se a função que nomeia a regressão logística, linearizada como:

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A variável dependente da equação acima é o logaritmo relacionado à probabilidade de ocorrência de determinado evento. A estimação dos parâmetros é feita pelo método da máxima verossimilhança, que é o recomendado quando dispomos de observações individuais da ocorrência ou não de determinado evento. Considerando a aplicação do modelo sobre as condições de análise, os coeficientes das variáveis explicativas oferecem o efeito dessas na variação do logaritmo da razão de chances das variáveis de resultado, no caso o controle da propagação e controle da letalidade.

ANÁLISE DE RESULTADOS

A Tabela 2 apresenta as variáveis empregadas aos modelos e as suas respectivas estatísticas descritivas básicas.

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Os dados esboçam com propriedade a grande variabilidade estatística entre os municípios e evidenciam a completude de informações para maior parte dos municípios. Assim é possível avançar para modelos de previsão que auxiliaram na análise de resultados.

Modelos de previsão, análises de resultados e discussões

O primeiro modelo apresenta os fatores condicionantes do controle de contágio. Na Tabela 3, verifica-se que as medidas de ajustamento confirmam a significância global do modelo (Prob > LR: 0.00) e, apesar de um Pseudo R2 fraco (0,07). Destaca-se o fato da principal medida de interesse – taxa de sucesso da previsão – demonstrar que o modelo teve uma taxa de previsão acertada de 66,75% dos casos.

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Observa-se que nesse modelo as variáveis sociais, econômicas e demográficas foram determinantes na previsão de controle, confirmando a hipótese H1. O PIB per capita comprova que os municípios com maior área geográfica e melhor posição de renda/poder aquisitivo foram os mais atingidos e demonstraram pior desempenho no controle de contágio. Isso porque o nível de atividade econômica parece influir no fluxo de pessoas, em especial, no comércio e serviços, que alimentam a economia desses municípios. Entretanto, de forma positiva, os municípios mais ruralizados tiveram menor contágio de COVID-19.

Já em relação as variáveis de interesse, fica evidente que tanto a capacidade estatal quanto as redes de consórcio exercem efeito positivo sobre o controle de contágio. Esta evidência indica a finalidade esperada e produzida pela capacidade estatal (Andrews et al., 2017), inclusive por meio de cooperação pública por meio dos consórcios de saúde, destaque no presente estudo. Observa-se que a proxy de capacidade estatal (despesas totais do município) demonstra como foi melhor a capacidade de reação em munícipios com maior capacidade de resposta financeira, indicando efeito positivo sobre o controle de contágio, corroborando expectativas teóricas da hipótese H3.

Somado a isso, os gastos com recursos humanos são um dos principais elementos da capacidade estatal, pois equipamentos públicos sem burocracia técnica não têm poder de reação, revelando que esse gasto foi contraproducente no controle de contágio. Surpreendentemente, onde há maior proporção de profissionais do SUS, o desempenho foi inferior. Há duas prováveis repostas para essa descoberta.

De um lado, isso pode sinalizar que a alta especialização da saúde preventiva não tem conseguido se adaptar ou se demonstrar produtiva nesse contexto pandêmico, o que denotaria uma falta de articulação e capacidade de resposta do Estado. Por outro, a alta especialização em saúde pode refletir uma melhor capacidade operacional com a aplicação de mais testes e, portanto, descobrindo mais contaminados. Como a testagem era, no geral, baixa nesse período, a primeira proposição é mais crível, embora não-definitiva. O segundo modelo apresenta os fatores condicionantes do controle de letalidade. Na Tabela 4 observa-se que as medidas de ajustamento confirmam a significância global do modelo (Prob > LR: 0.00) e, apesar de um Pseudo R2 fraco (0,08), a principal medida de interesse demonstra que o modelo teve uma taxa de previsão acertada de 66,27%.

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Durante toda pandemia houve uma discussão polarizada nos meios políticos e na mídia sobre a dicotomia entre controle da COVID-19 e impactos negativos sobre a economia. Nesse sentido, procurou-se lançar luz sobre essa questão. Tanto no modelo de controle quanto de letalidade, os fatores econômicos tiveram impacto negativo, reforçando que a dinâmica econômica do município tem relação negativa entre o controle de contágio e morte. Municípios com maior PIB per capita tiveram menor sucesso nos dois modelos. Entretanto, como demonstrado pela Figura 1, para a letalidade houve grande impacto marginal na passagem entre as faixas menores (parte decrescente a curva) e uma lenta diminuição e estabilidade entre as faixas de PIB per capita média e maior. À medida que as faixas foram crescendo, notou-se que não havia tanta diferença. O que prova que a partir de um determinado tamanho da economia, as limitações impostas pela atividade econômica são indistinguíveis.

Isso se explica, em parte, pelo fato de que, embora essas cidades tenham maiores taxas de contágio, elas têm melhor infraestrutura, o que funciona como contrapeso nesse momento. Tal infraestrutura de atendimento, ao abranger as pessoas idosas, pode influenciar positivamente no controle de contágio da COVID-19, contrariando as expectativas de que os municípios com maior taxa de envelhecimento poderiam ser mais suscetíveis ao contágio e letalidade da pandemia.

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No que concerne as variáveis de interesse, as descobertas corroboram parcialmente para o aceite da hipótese H4. Nesse sentido, as variáveis de capacidade estatal – Despesa total com recursos humanos e Despesas com atenção primária – afetam negativamente o controle de letalidade. Infere-se que as capacidades operacionais e os equipamentos públicos específicos sejam mais relevantes no controle de letalidade, especialmente por acesso e compartilhamento de leitos e estrutura. De toda forma, essa descoberta abre espaços para melhor exploração da natureza efetiva dos gastos, bem como da qualidade do gasto público, elementos em amplo debate na conjuntura de análise desses dados, corroborando estudos de Lopez et al. (2020). Também confirmando as expectativas teóricas, a cooperação global, materializada na proxy de consórcios de saúde teve efeito positivo no controle de letalidade, corroborando hipótese H4, e destacando que os municípios com maior capacidade de despesa própria têm maior discricionariedade e poder de reação.

A Tabela 5 comprova pela associação de Qui-quadrado, ao nível de significância de 5%, que, onde não há consórcios, o controle de letalidade foi menor que o esperado (322<377) e, onde há presença de consórcios, o controle de letalidade foi maior (423> 368). Fato que prova inequivocamente, ao nível de sig de 1%, que o consorciamento dos municípios foi uma das medidas mais eficazes no controle da pandemia COVID-19.

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Deste modo, a partir dos modelos de previsão aplicados, somado à confirmação das hipóteses definidas neste estudo, é possível afirmar que os municípios cujos governos locais possuem melhores condições demográficas e socioeconômicas, leia-se, menos desigualdades, tendem a lograr maior êxito que os demais na implementação de suas estratégicas, como a cooperação pública por meio de consórcios para controle de propagação e de letalidade. Tal teoria que emerge da empiria analisada, corroborando Sabatier (2007), pode complementar os conhecimentos já existentes no campo e pode ser empregada para o entendimento do fenômeno em análise para ampliação do conhecimento, a fim de lidar com problemas públicos complexos e envoltos de incertezas cada vez mais presentes na gestão pública contemporânea.

Isso é relevante porque após mais de três décadas da existência do SUS, apesar de muitos problemas da área de saúde terem sido minimizados ou solucionados, o provimento de serviços de saúde ainda tem se revelado problemático em vários municípios (Lopez et al. 2020), e os consórcios têm sido uma estratégia de gestão eficaz em municípios do interior (Hefetz & Warner, 2012). Isso tende a contribuir no enfrentamento da COVID-19, corroborando estudo de Santos (2021).

Isso não significa que, neste contexto pandêmico, não seja preciso investir no sistema de saúde, mas sim o contrário, com ações integradas, envolvendo o provimento de serviços urbanos essenciais, os quais são indutores de desenvolvimento , é possível investir, sobretudo, em uma resposta da gestão pública às novas necessidades emergentes pelas transformações demográficas e epidemiológicas. Isso põe em destaque a necessidade de investimentos públicos que estimulem ações equânimes, que reconheçam a saúde como uma questão urbana territorial para se alcançar uma possível densidade demográfica saudável nos municípios. Tal consideração, de acordo Gadelha et al. (2011, p. 3004) implicam desafios e a necessidade de inserção desta questão como “propulsor de desenvolvimento na sua dimensão regional, cuja importância pauta-se pelo marcante corte territorial das iniquidades socioeconômicas nacionais”.

Assim, a partir dos municípios analisados na experiência brasileira, verificou-se que os consórcios intermunicipais de saúde, enquanto redes de cooperação pública e de expressão da capacidade estatal de governos locais, demonstram-se elementos coadjuvantes, porém positivos no controle de contágio e de letalidade da COVID-19 em nível regional. Entende-se elementos coadjuvantes como aqueles que auxiliam no desenvolvimento e no alcance da finalidade pactuada, exercendo uma função que pode estar relacionada diretamente ou indiretamente com o resultado observado.

Portanto, sustenta-se que esses elementos compõem uma questão urbana emergente. É relevante para a gestão pública municipal considerar análises de resultados de políticas públicas na contemporaneidade para que elas possam ser equitativas e integradas, mas principalmente, efetivas (Lopez et al., 2020) em prol do desenvolvimento territorial. Isso pode inspirar e servir de referência para PLANOS Plurianuais (PPAs), políticas e ações cooperativas intra e supramunicipais numa sociedade pós-pandêmica, assim denominada após a instauração da pandemia COVID-19.

CONCLUSÕES

Se antes da Covid-19 os líderes políticos e gestores tinham preocupações centradas na coordenação de suas ações públicas em nível local, com esta pandemia a adesão à consórcios de saúde, que era uma opção facultativa para gestores públicos, revela-se ser uma solução de gestão de natureza cooperativa pertinente para o seu enfrentamento. Aparte a análise reportar um momento específico e particular, é possível verificar a resposta da capacidade estatal por meio das redes públicas de cooperação para a prestação de serviços de saúde. Assim, confirmam-se as crenças de que a cooperação é, de fato, o arranjo passível de utilização, tendo em vista a maior efetividade (Aldag et al., 2020), possivelmente, para além da saúde.

Logo, a teoria subjacente de consórcios de saúde como uma forma de cooperação pública para governos locais no contexto da COVID-19 reposiciona as atividades de planejamento e o controle de serviços essenciais como água, saneamento básico, energia elétrica e habitação para uma questão urbana territorial. O termo territorial sustenta-se porque envolve mais que apenas um município, podendo não se restringir a uma região previamente delimitada pelos órgãos governamentais. O termo pode contemplar diferentes escalas geográficas. Somado a isso, a questão territorial traz à tona a necessidade de equidade social, retomando aspectos históricos de desigualdades em termos de serviços essenciais, ainda presentes em diferentes municípios do Brasil. Nesta direção, situações de epidemias/pandemia, que envolvam aspectos relacionados à capacidade estatal e redes de cooperação pública para o controle de contágios e letalidade podem se revelar como uma nova questão urbana territorial para os atores públicos. Isso quer dizer que doenças epidêmicas como a COVID-19 necessitam ser tratadas com uma questão de gestão urbana intersetorial em diferentes escalas territoriais.

Observou-se também que o uso da capacidade estatal, enquanto categoria analítica se torna relevante. Tal capacidade poderá ser constituída pela governança de recursos técnico-administrativos, bem como político-relacionais, capazes de alcançar resultados frente aos objetivos institucionais pactuados. Uma forma dos governos locais terem maior capacidade estatal para responder a este desafio é por meio de redes de cooperação pública.

Isso lança luz para novos estudos urbanos e em políticas públicas que tratam de categorias como capacidades estatais, governança pública multinível e efetividade de ações para prover o bem comum. Para tanto, quatro recomendações e proposições foram apresentadas para reflexões e ações imediatas:

  1. Trabalhar o planejamento urbano numa perspectiva em rede e intermunicipal/regional, pois o que afeta uma cidade ou urbanidade local pode também afetar o seu entorno;

  2. Para um município conseguir ser um território resiliente e saudável (e alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - ODS das Nações Unidas) num contexto pandêmico, ele necessitará de ações de cooperação pública, privadas e mistas, inclusive de outros municípios, principalmente, os limítrofes;

  3. O potencial de colaboração entre saúde pública e gestão urbana amplia-se com crises sanitárias e epidemiológicas, que podem fazer parte do "novo normal" na vida cotidiana dos municípios;

  4. Investir em ações de incentivo à habitação e a preservação das áreas rurais, pois este estudo revelou que municípios com maior população ruralizada indicaram menos contágio, revelando que a densidade demográfica, quando centrada na área urbana, tende a ser mais vulnerável a crises sanitárias como a pandemia COVID-19. Isso demonstra também a importância de desconcentrar a oferta de serviços públicos das áreas urbanas, bem como investir mais em iniciativas modais com segurança sanitária, que possam levar tais serviços às áreas mais ruralizadas, característica de centenas municípios do interior do Brasil.

Como futuros estudos, acrescenta-se a necessidade de se compreender os conflitos e as pressões político-partidárias, bem como as advindas de residentes das localidades envolvidas, que possam interferir no contexto estudado. Além disso, espera-se provocar pesquisas sobre processos formativos para lidar com isso de forma eficiente, bem como sobre tecnologias de gestão para a cooperação pública como o provimento de informações interinstitucionais confiáveis para auxiliar no processo de tomada de decisão dos gestores públicos em governos locais e em nível intergovernamental.

Por fim, se a experiência observada neste estudo, a partir do setor da saúde sobre as capacidades estatais e redes de cooperação pública no controle da COVID-19, fosse tratada de forma mais sistêmica, sendo ampliada e integrada com outros serviços urbanos essenciais num nível territorial de natureza intermunicipal, infere-se que os resultados poderiam ser mais positivos e efetivos. Logo, é necessário sensibilizar os gestores públicos e urbanos que os municípios não podem ser tratados como ilhas, algo isolado e independente do seu entorno, mais sim tratados como um território normativo local passível de construção de pontes de cooperação para o enfrentamento de problemas públicos cada vez mais complexos, globais e humanitários.

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Recebido: 11 mai. 2022

Aprovado: 8 dez. 2022

DOI: 10.20985/1980-5160.2022.v17n3.1795

Como citar: Ferreira, M.A.M., Emmendoerfer, M., Silvestre, H.M.C., Correia, A.M. (2022). Capacidade estatal e redes de cooperação pública na saúde no controle da pandemia COVID-19. Revista S&G 17, 3. https://revistasg.emnuvens.com.br/sg/article/view/1795