Impactos nos fatores psicossociais de lideranças em sistemas de produção enxuta

Iuri Kiriyama Forte

iuri.kiriyama@gmail.com

Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil.


RESUMO

Os aspectos provenientes da inovação de Henry Ford ocasionavam alguns problemas, visto que muitas peças eram produzidas em grande escala para um único modelo de carro. O resultado o deu-se em enormes estoques parados e alto índice de desperdício. Nesse contexto, surge no Japão, o Sistema Toyota de Produção ou como é conhecido, o Sistema Lean (comumente chamado de Sistema de Produção Enxuta). Embora esse modelo se mostrasse bastante promissor quanto a produtividade e otimização de recursos, identificou-se – também – a necessidade de dedicar maior atenção ao bem-estar do trabalhador, uma vez que o Sistema de Produção Enxuta (PE) também impactava os Fatores Psicossociais (denominados pela Organização Internacional do Trabalho como aspectos das condições de trabalho, estrutura organizacional, cultura, dentre outros). Objetivo: verificar se existe impacto nos Riscos Psicossociais (RP) em profissionais que desempenham cargos de liderança dentro do contexto de empresas que implantaram a PE. Como estratégia da pesquisa, foi desenvolvido e aplicado um questionário para avaliação das condições organizacionais percebidas por estes profissionais. Como resultado, foi possível identificar que não há influência da PE sobre os riscos psicossociais. Concluiu-se que, ao identificar indícios de impacto da PE sobre bem-estar no ambiente de trabalho, estes foram percebidos de forma positiva pelos respondentes.

Palavras-chave: Sistema Lean; Produção Enxuta; Riscos Psicossociais.


INTRODUÇÃO

Em 1948, Ohno e Toyoda começam a desenvolver o Toyota Production System (Sistema de Produção da Toyota), ou TSP (Soares, 2013), posteriormente conhecido como Lean Manufacturing, o qual apresentava dois princípios fundamentais: a eliminação de desperdícios e a fabricação com qualidade (Maximiano, 2005). Se por um lado o sistema Lean pode significar uma eficiente alternativa para colher bons resultados no processo produtivo, por outro pode ocasionar e potencializar os níveis de estresse entre trabalhadores (Conti et al., 2006). Embora o estresse não represente um prejuízo para a saúde – junto a ansiedade, mudanças de humor e isolamento – ele é um indicador sintomático de dano físico e emocional. O estresse pode, nesse sentido, estar ligado a um agente biológico, uma condição ambiental, um estímulo ou um evento (Iol, 2016).

Em 1984 a OIT denominou como Fatores Psicossociais (FP) os fatores do ambiente de trabalho que podem ocasionar estresse, trazendo atenção à dinâmica de interação entre esse ambiente e os fatores humanos (Iol, 2016).

Apesar da PE mostrar-se como uma poderosa abordagem por melhorar o desempenho operacional produtivo, observou-se que muitas empresas, aderentes a PE, não conseguiram alcançar um nível elevado de desempenho (Bortolotti et al., 2015).

Os autores Pereira et al., (2014) mencionam estudos citando que as principais fontes de estresse entre gerentes do mundo moderno estão associadas aos processos de reestruturação organizacional decorrentes da globalização (Isma, 2008).

Ao considerar que o trabalhador está permeado por vários fatores psicossociais, quando este ocupa uma posição de liderança elevando seu grau de responsabilidade na organização, esse contexto pode se mostrar muito mais complexo. Neste sentido, é relevante verificar os riscos psicossociais em profissionais que exercem função de liderança dentro do sistema de produção enxuta.

Portanto, o presente estudo pretende, por meio de pesquisa, através de questionário customizado, identificar se há impacto nos riscos psicossociais em profissionais que exercem função de liderança dentro do contexto da PE.

REFERENCIAL TEÓRICO

Sistema de produção enxuta

Alguns conceitos do Sistema da Toyota, Toyota Production System (TPS) já eram conhecidos por engenheiros industriais e praticada na Ford durante os anos de 1920. Com a ajuda de Taiichi Ohno e Shigeo Shingo, a Toyota introduziu e, continuamente, aprimorou um sistema de produção cujo objetivo era reduzir ou eliminar tarefas que não agregavam valor: aquelas pelas quais o cliente não estava disposto a pagar.

O Sistema Toyota adotou três ideias principais para a eliminação de desperdícios, quais sejam: Racionalização da força de trabalho, Just In Time e Produção flexível. Ao aplicar os referidos conceitos, a Toyota conseguiu reduzir tempo de produção consideravelmente; atividades como mudar os moldes nas prensas passaram a ser realizadas em apenas 3 minutos nas fábricas japonesas, enquanto nas empresas ocidentais este processo tomava um dia inteiro (Maximiano, 2005).

F

Liker (2004), em sua análise sobre a Toyota, identificou que o conceito lean opera sobre dois princípios: melhoria contínua e respeito pelas pessoas. Contudo, Nordin (2012) pondera que o segundo princípio não foi positivamente compreendido por líderes seniores da Toyota. Já a melhoria contínua (kaizen) requeria não apenas habilidade, mas também uma mentalidade focada em eliminar sistematicamente o desperdício e elevar o valor dos processos. Neste sentido, o conceito lean evoluiu ao nível de gestão do conhecimento.

Conti et al. (2006) em estudo a respeito dos impactos da PE sobre o estresse no ambiente de trabalho, destacaram os elementos que contribuem para redução de estresse, conforme a seguir:

F
F

Um estudo realizado por Barker (1998) com gerentes, identificou que grande parte deles resiste à implantação da PE devido à falta de habilidades ou de conhecimento deste sistema. Já para os funcionários, a resistência está ligada à falta de comprometimento ou a treinamento inadequado.

Fatores psicossociais

O termo “fatores psicossociais” no trabalho engloba um conjunto de percepções e experiências do trabalhador em seu ambiente de trabalho. Abrange também influências econômicas e sociais que repercutem sobre o trabalhador. Há estudos que explicitam a natureza e interação entre esses fatores, incluindo a relação com as hierarquias, circunstâncias familiares ou da vida privada e elementos culturais como nutrição, facilidades de transporte e interações com órgãos de poder.

O alvo do Lean era certo desenvolvimento do processo produtivo, tanto nos aspectos do controle da qualidade e produtividade, quanto nos da eficiência e da eficácia. A estratégia da competitividade provoca uma relativa mudança nas relações de produção e de trabalho à medida em que transforma o coletivo de trabalho. Nesse contexto, os trabalhadores se transformam em fiscais uns dos outros, comprometidos com a estratégia da empresa atuando numa atmosfera de consulta e consenso.

F

Stenger et al. (2014) expõem que as constantes mudanças técnicas e tecnológicas, automatização das atividades produtivas, além do enxugamento nos níveis hierárquicos, visando fluxo interno de informações mais eficazes, foram fatores que contribuíram para a percepção de ambientes ansiogênicos.

Para Camelo e Angerami (2008), a sobrecarga ou a baixa carga de trabalho, a falta de controle sobre as atividades laborais e altos níveis de pressão são riscos psicossociais relacionados ao trabalho (incluídos nesta categoria), os quais podem levar ao estresse. Nesse sentido, os autores defendem que um controle sobre a jornada de trabalho poderia, não apenas reduzir o conflito em casa e no trabalho, como também diminuir os perigos do estresse excessivo.

O estudo proposto por Koukoulaki (2014) salienta que aspectos como autoridade de decisão, desenvolvimento de habilidades, autonomia e satisfação no trabalho, se ausentes ou baixos, podem ser um fator de risco e gerador de efeitos como distúrbios osteomusculares dos membros superiores, fadiga, tensão e estresse.

Nesse sentido, de acordo com Levi (2005), o estresse contínuo relacionado ao trabalho constitui um importante fator determinante dos transtornos depressivos, além de outros impactos na saúde do trabalhador, gerando consequências como o aumento da pressão sanguínea e provavelmente contribuindo para a morbidade por doenças cardíacas, desencadeamento de quadros de diabetes, exaustão, perda de peso, esgotamento físico e aparecimento de outras doenças, como AVC e problemas renais devidos à hipertensão arterial.

A liderança no contexto da produção enxuta e fatores psicossociais

Um dos impactos da adoção da metodologia da PE recai sobre o modo como as pessoas trabalham. Enquanto a maioria delas achará o trabalho mais estimulante à medida que a cultura da PE vai sendo absorvida e a produção vai aumentando, poderá acontecer que algumas tarefas se tornem mais estressantes. Isso porque um dos objetivos essenciais desse sistema de produção é trazer a responsabilidade para a base da pirâmide organizacional, responsabilidade essa que significa liberdade para controlar o próprio trabalho, uma vantagem – mas que aumenta o medo de cometer erros que acarretem prejuízo, certamente uma desvantagem na nossa mentalidade de insegurança no emprego e de moderados estímulos aos processos de tomada de decisão nesse nível (Moreira, 2011). Seidel e Saurin (2020) em recente estudo, definem a liderança lean como um processo social, realizado por líderes com atributos pessoais alinhados aos princípios lean para sustentar a melhoria contínua e devem estar apoiados por um sistema de gerenciamento compatível com o contexto interno e externo da empresa.

Um extenso estudo realizado por Koukoulaki (2014) respalda a relevância do tema proposto por este artigo; nele são apresentadas correlações entre os possíveis impactos –positivos ou negativos – da PE sobre os RP dos trabalhadores. A pesquisa agrupou os termos de pesquisa em três indicadores: produção enxuta, características do trabalho e fatores de risco e efeitos na saúde, conforme Tabela a seguir:

F

Como resultado dos estudos desta natureza, as perspectivas teóricas sobre os efeitos da produção enxuta evoluíram ao longo dos anos. Quando a produção enxuta foi introduzida pela primeira vez, ela foi apresentada como um sistema eficiente de produção com efeitos positivos para os trabalhadores, aumentando sua autonomia e empoderamento.

A julgar pela exposição vista de alguns autores, poderíamos deduzir que em parte a PE é um fator que contribui para o agravo dos riscos psicossociais. Koukoulski (2014) destaca pesquisas indicando que efeitos negativos observados em trabalhadores estariam fortemente associados a algumas práticas enxutas, visto que elas intensificam o ritmo de trabalho. Contudo, não se pode afirmar que a produção enxuta seja – em si – prejudicial. As práticas de redução de desperdícios são consideradas o núcleo da produção enxuta e, sem elas, um sistema de produção dificilmente pode se identificar como enxuto. O autor cita ainda que nem todas as características Lean são prejudiciais, mas as principais podem afetar negativamente se nenhum apoio –como suporte social ao trabalhador– for aplicado. Como destacado por Conti et al. (2006), é possível concluir que a PE não representa diretamente o fator de impacto sobre o bem-estar, mas está associado a forma como é implementado e de que maneira sua gestão é conduzida pela liderança.

MÉTODO DE PESQUISA

Delineamento das etapas de pesquisa

Como estratégia para a coleta de dados utilizou-se o software Survey, que permite obter informações sobre características, ações ou opiniões de determinado grupo de pessoas por meio de um instrumento de pesquisa, normalmente um questionário (Freitas_et al._, 2000). A escolha foi em decorrência de ser a mais apropriada para responder questões do tipo “o que está acontecendo” ou “é possível acontecer”. Considerando os fundamentos propostos por Gil (2002), a pesquisa foi dividida em 5 etapas: (1) Concepção; (2) Instrumento de coleta de dados e Pré-teste; (3) Coleta e verificação dos dados; (4) Análise e interpretação dos dados e (5) Apresentação dos resultados.

Na etapa de Concepção (1), buscou-se especificar o objetivo da pesquisa, possibilitando, assim, que se delimitasse o assunto a ser estudado e estabelecesse a melhor estratégia de investigação. Nessa etapa foi realizada uma revisão da literatura, selecionando artigos cujas palavras-chave apresentassem alguma relação com os termos PE e FP.

Na etapa instrumento de coleta de dados e pré-teste (2), elaborou-se o questionário para coleta das informações, o qual seria direcionado para profissionais que atuam em posição de liderança. Na etapa de coleta e verificação dos dados (3) foi definida a plataforma para inserção do instrumento (questionário) e aplicação visando a coleta das informações junto à população alvo. Na etapa (4) foi realizada a análise dos dados. Na última etapa, foi realizada a apresentação e interpretação dos resultados (5) da pesquisa, descrevendo a conclusão obtida acerca do tema proposto.

Desenvolvimento de questionário

O questionário foi dividido em 3 seções que compreendem:

1) Caracterização da empresa: essa seção possui 9 questões que tratam sobre o setor econômico de atuação da empresa, porte em relação ao número de trabalhadores e faturamento, benefícios oferecidos e questões relacionadas ao comportamento dos recursos humanos, como rotatividade e absenteísmo. As questões desta seção foram elaboradas pelo autor.

2) Aspectos psicossociais: essa seção possui 30 questões tratando da percepção do respondente acerca dos fatores psicossociais inerentes ao ambiente de trabalho. As questões abordaram aspectos relativos à organização do trabalho, relações de hierarquia e interpessoais, suporte de superiores, controle, expectativas, exigências do trabalho, liderança, comunicação, cultura organizacional, quantidade e qualidade de trabalho, oportunidades, insegurança, remuneração, autonomia, aprendizado e carreira. As perguntas formuladas para o questionário foram elaboradas após revisão de literatura acerca de fatores psicossociais ocupacionais. Os níveis de âncoras das alternativas de respostas utilizadas nesta seção foram “Muito raramente ou nunca”, “Raramente”, “Às vezes”, “Muitas vezes” e “Frequentemente ou sempre”. Em algumas questões foram utilizadas as âncoras “Completamente”, “Um pouco”, “Quase nunca” e “Absolutamente não”. Nas questões finais, as âncoras utilizadas foram “Fortemente de acordo”, “De acordo”, “Discordo” e “Discordo Totalmente”. Estas diferenciações ocorreram em decorrência de manter preservadas as alternativas dos modelos dos questionários originais. A pontuação atribuída para cada nível de âncora era de 1 ponto.

A Tabela 6 apresenta os trabalhos anteriores a partir dos quais foram selecionadas as perguntas dessa seção do questionário.

F
F
F

F
F
F
F

3) Perfil do respondente: Essa seção possui 19 questões que tratavam sobre aspectos pessoais e de hábitos do respondente. As questões utilizadas nesta seção foram desenvolvidas pelo autor. Também foram realizadas questões quantitativas nesta seção.

Coleta e análise de dados

A coleta de dados foi realizada através da aplicação do questionário enviado por e-mail. Foi escolhida a plataforma “SurveyMonkey®” para inserção das questões, desenvolvimento do layout e coletor de respostas. Após desenvolvido o questionário e elaborado o “link” para acessá-lo, este foi enviado para aproximadamente 15.000 endereços. Além disso, o link foi compartilhado via redes sociais (como LinkedIn e Facebook) e multiplataforma de mensagens (entre elas WhatsApp e Line). Dessa forma, não foi possível precisar a quantidade de possíveis respondentes.

Ao todo, 138 pessoas responderam os questionários. A pesquisa foi realizada no período de 29 de julho a 21 de outubro de 2019, e contou com um tempo médio de respostas em 10 minutos e 54 segundos.

A partir de uma análise inicial, percebeu-se que nem todos haviam concluído o questionário, com isso foram estabelecidos determinados “filtros” a fim de obter a amostra a ser analisada. O primeiro filtro foi verificar se as questões foram respondidas na sua totalidade. Deste total, verificou-se que quarenta e sete respondentes não haviam respondido todas as questões (N=47). De acordo com alguns relatos obtidos informalmente pelo pesquisador, embora o tema se mostrasse relevante, a extensão do questionário (com 74 questões) impactou em uma taxa de conclusão de 62%.

Considerando o foco em profissionais em cargos de liderança, desprezou-se os dados de respondentes fora deste critério (N=18). Com isso, obteve-se uma amostra final de 73 respondentes. Em seguida, foi realizada a divisão dessa amostra entre empresas que possuem a PE e empresas sem PE, visando análises comparativas. Para isso foi realizado um questionamento inicial se a empresa em que o respondente atuava possui a PE implantada ou não. Dessa maneira, a população total obtida foi dividida em duas amostras: uma formada por empresas, as quais possuíam a PE (N=47) e a outra amostra por empresas que não possuíam (N=27). O fluxograma a seguir descreve as etapas para obtenção das amostras que foram utilizadas para a realização da análise.

F

Para a análise dos dados foi utilizada a “ferramenta” computacional de estatística. Para as alternativas de respostas de cada questão do questionário, foi adotada uma pontuação, considerando 1 para a pior situação e 5 para a melhor situação. Às questões que possuíam 4 alternativas de respostas, foi considerado 4 a melhor situação.

Após essas etapas, foi calculada a média das amostras de todas as questões. Foram realizadas comparações entre as médias das duas amostras de cada questão, neste caso tratadas como empresas que haviam adotado a PE e empresas sem PE. Com isso, ao analisar as médias das duas amostras de cada questão, já era possível identificar a amostra que apresentava o resultado mais favorável ou positivo.

Posteriormente, foi realizado o “Teste t” para cada questão, considerando as duas amostras e suas médias, algebricamente distintas. Os Testes “t” são testes de hipótese com o objetivo de comparar as médias. Isso foi necessário, pois buscava-se comparar o desempenho das respostas de cada questão e, com isso, afirmar se a diferença entre as médias das duas amostras era ou não estatisticamente significativa.

Para a análise de dados das amostras e médias adotou-se um nível de confiança de 95% (α 0,05) e considerando teste de hipótese igual a 0 (zero), ou seja, que as amostras possuíam comportamento semelhante.

Após a realização das análises, os valores de Stat “t” obtidos nos testes de hipótese das questões foram tabulados de forma que pudesse ser realizado o julgamento dos resultados. Somente após a realização desta análise foi possível dizer se as amostras possuíam desempenho semelhante ou diferença significativa e, com isso, validar ou não a PE como fator de influência nos RP.

RESULTADOS

Caracterização da amostra: empresas

A Tabela 8 demonstra que mais de 50% das empresas dos respondentes que adotam a PE tiveram faturamento em 2018 acima de duzentos milhões de reais. Analisando a população total de respondentes foi possível identificar que aproximadamente 80% das empresas que adotaram a PE tiveram resultado de faturamento positivo ante 66% das empresas que não utilizam a PE. Em geral, as empresas que aplicam a PE tendem a ter maior porte e maior faturamento. De outro lado, em relação aos benefícios oferecidos pela empresa, o critério “Plano de Carreira”, as empresas sem PE apresentaram desempenho 5% acima em relação as empresas com PE. Já nos critérios “Incentivo Educacional”, “Previdência complementar” e “Participação nos Resultados” empresas com PE apresentaram desempenho 25% superior às empresas sem PE.

F

A Tabela 9 expõe resultados relativos à rotatividade de pessoal e absenteísmo, denotando significativa distinção entre amostras no primeiro aspecto. Ao analisar os resultados referentes a rotatividade percebe-se que o grupo de empresas com PE apresentou melhores resultados, o que pode estar relacionado aos benefícios oferecidos pelas empresas.

F

Caracterização da amostra: respondentes

A Tabela 10 apresenta um resumo da caracterização dos respondentes. A diferença mais visível se refere ao nível de conhecimento em PE, o qual, como esperado, é maior nas empresas com PE. Outra constatação interessante é que 81,48% dos líderes de empresas sem PE admitiram possuir algum nível de conhecimento sobre o sistema, o que indica um potencial de aplicação da PE nessas empresas.

F

Percepções relativas aos fatores psicossociais

A Tabela 11 apresenta os resultados relativos às percepções quanto aos fatores psicossociais relacionados a cultura organizacional e organização do trabalho. Não houve diferença significativa entre os dois grupos de empresas. Apesar disso, considerando valores absolutos, as empresas que não usam a PE apresentaram resultados melhores em sete das dez questões.

Em estudo realizado por Conti (2006) com 1.670 trabalhadores de 16 fábricas, os resultados indicaram que trabalhadores nas fábricas com PE possuíam cargas de trabalho mais pesadas, com grande dificuldade em folgar ou alterar as características do trabalho. É importante esclarecer que aquele estudo, no entanto, não indicou o grau de implementação enxuta ou os efeitos de práticas de PE específicas.

F

Na Tabela 12 estão indicados os resultados sobre fatores psicossociais associados à satisfação pessoal e ao relacionamento interpessoal. Em apenas uma das doze questões houve diferença entre os dois grupos de empresas. Contudo, as empresas com PE apresentaram média superior em onze das doze questões. Sobre este fator, Marochi (2002) constata que o trabalho em equipe, presente na PE, permite ao trabalhador uma visão maior das atividades que realiza e, logo, da sua participação no processo produtivo. A partir disso, a autora conclui que na PE o processo de comunicação é ampliado.

F
F

Na Tabela 13, que trata da autonomia da liderança no controle de processo, não houve diferença significativa entre os dois grupos de empresas.

Sobre a autonomia no trabalho, Martinez et al. (2004) recomendam ações que aumentem a autonomia e o controle exercidos pelos trabalhadores sobre suas atividades (sem gerar sobrecarga) como estratégia para impactar positivamente os aspectos psicossociais no trabalho.

F

A Tabela 14 apresenta as percepções em relação aos esforços e conquistas desenvolvidos pelas lideranças. Não houve diferença estatística significativa entre os dois grupos de empresas. Para Scherer e Ribeiro (2013), a implantação de um sistema de PE deve ser monitorada continuamente, promovendo reconhecimento aos colaboradores pelas metas atingidas. Araújo e Rentes (2006) salientam que as mudanças, ainda que sejam para melhor, são difíceis para a maioria das pessoas; neste sentido, diante dos processos de mudança, especialmente aqueles em implementações de Sistemas de PE, os autores destacam a importância de sistemas de recompensa e reconhecimento, pois fortalecem a confiança mútua e o respeito entre as pessoas.

F

Na Tabela 15 foram abordadas três questões relativas à expectativa dos líderes sobre carreira e o comparativo mostrou que apenas uma questão apresentou diferença significativa. Esse resultado pode estar associado ao processo de implementação da PE, o qual vislumbra resultados a longo prazo e – associado a essa perspectiva – busca criar um ambiente de desenvolvimento, capacitação profissional e, consequentemente, estabilidade.

F

CONCLUSÕES

A pesquisa realizada permitiu conhecer e refletir acerca dos riscos psicossociais a que podem estar expostos os líderes, comparando empresas que usam e não usam a PE.

A julgar pelos resultados obtidos, mais de 90% das questões demonstraram não haver diferença estatística significativa entre os dois grupos de empresas, ou seja, não é possível afirmar que a PE seja um fator que causa algum tipo de impacto nos RP. Os resultados obtidos em grande parte demonstraram que houve um comportamento semelhante de desempenho entre as empresas.

Assim, não é apenas o nível de implementação da PE que se correlaciona com os RP, mas possivelmente também as características contextuais de cada aplicação. Conforme a literatura revisada, o principal mecanismo subjacente aos efeitos na saúde da PE é a intensificação do trabalho e, em alguns casos, isso será inevitável. É possível que isso não se manifeste de modo tão forte nas lideranças, pois essas não realizam atividades operacionais e repetitivas na maior parte do tempo.

Como limitações desse estudo pode-se citar: (i) a pequena quantidade de respondentes; (ii) não houve avaliação do nível de desenvolvimento das competências dos líderes, o que permitiria verificar se elas estavam mais aderentes ao estilo de líderes Lean ou líderes tradicionais; (iii) não se levou em consideração o grau de maturidade da administração na gestão da equipe, o método usado para a implementação da PE, o contexto econômico regional. Esses fatores poderiam explicar a inexistência de diferenças significativas entre os grupos de empresas.

Quanto à possibilidade de estudos futuros, podem ser salientados: (i) ampliar a aplicação da survey junto a um número maior de respondentes; (ii) aplicar a survey em conjunto com uma ferramenta de avaliação do nível de desenvolvimento de competências lean por parte dos líderes.

REFERÊNCIAS

Araujo, C. A. C., Rentes, A. F. (2006). “A metodologia kaizen na condução de processos de mudança em sistemas de produção enxuta”. Revista Gestão Industrial. Universidade de São Paulo - USP Escola de Engenharia de São Carlos, São Paulo, Brasil. 02, 02, pp. 133-142.

Barker, B. (1998). “The identification of factors affecting change towards best practice in manufacturing organisations”. Management Decision. 36, 8, pp.549–556.

Bhasin, S. (2013). “Impact of corporate culture on the adoption of the Lean principles”. International Journal of Lean Six Sigma 4, 2, pp. 118-140.

Bortolotti, T., Boscari, S., Danese, P. (2015). Successful lean implementation: organizational culture and soft lean practices. Int. J. Production Economics 160, pp. 182-201.

Camelo, S. H. H., Angerami, E. L. S. (2008). “Riscos psicossociais no trabalho que podem levar ao estresse: uma análise da literatura”. Cienc Cuid Saude. Abr/Jun, 7, 2, pp. 232-240.

Conti R. et al. (2006). “The effects of lean production on worker job stress”. International Journal of Operations & Production Management. 26, 9, pp. 1013-1038.

Dombrowski, U., Mielke, T. (2014). “Lean Leadership – 15 Rules for a Sustainable Lean Implementation”. Procedia CIRP. 17, pp. 565-570.

Freitas, H. et al. (2000). “O método de pesquisa survey. Revista de Administração”. São Paulo, 35, 3, pp. 105-112. http://www.clam.org.br/bibliotecadigital/uploads/publicacoes/1138_1861_freitashenriquerausp.pdf.

INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION (IOL). (2016). Workplace stress: A collective challenge. https://www.ilo.org/safework/ info/publications/WCMS_466547/lang--en/index.htm.

Liker, J.K;Rother, M. (2008). “Why Lean Programs Fail”. Lean Enterprise Institute. https://ulti.in.net/file-499.pdf.

Liker, J.K. (2004). “The Toyota Way: 14 Management Principles from the World’s Greatest Manufacturer”. McGraw-Hill, New York.

Koukoulaki, T. (2014). “The impact of lean production on musculoskeletal and psychosocial risks: an examination of sociotechnical trends over 25 years”. Elsevier. 45, pp. 198-212.

Marochi, M.L.G. (2002). “Considerações sobre modelos de produção e a psicologia do trabalho”. Revista da FAE. jan./abr. Vol.5, No.1, pp. 15-28.

Martinez, M. C., ParaguayaA. I. B. B., Latorre, M. R. D. O. (2004). “Relação entre satisfação com aspectos psicossociais e saúde dos trabalhadores”. Rev Saúde Pública. 38, 1, pp. 55-61.

Maximiano, A. C. A. (2005). Teoria Geral da Administração: da revolução urbana à revolução digital. 5. ed., Atlas, São Paulo.

Moreira, S. P. S. (2011). Aplicação das Ferramentas Lean: Caso de estudo. Instituto Superior de Engenharia de Lisboa. Lisboa: Departamento de Engenharia Mecânica.

Nordin, N. (2002). A framework for organisational change management in lean manufacturing implementation. Int. J. Services and Operations Management. 12, 1.

Pereira, L. Z.; Braga, C. D.; Marques, A. L. (2014). “Estresse no trabalho: um desafio para os gestores das organizações brasileiras”. REGE. São Paulo, SP, Brasil. 21, 3, pp. 401-413.

Scherer, J. O.; Ribeiro, J. L. D. (2013). “Proposição de um modelo para análise dos fatores de risco em projetos de implantação da metodologia lean”. Gestão de Produção, São Carlos. 20, 3, pp. 537-553.

Seidel, A.; Saurin, T. A. (2020). “A framework for analysing how context influences lean leadership”. International Journal of Lean Six Sigma. www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/IJLSS-04-2019-0041/full/html.

Seidel, A.; Saurin T. A., Marodin, G. A., Ribeiro, J. L. D. (2020). “Lean leadership competencies: a multi-method study”. Management Decision 56, 10. https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/MD-01-2017-0045/full/html.

Soares, A. (2013). Sistema Toyota de Produção. https://administradores.com.br/artigos/sistema-toyota-de-producao.

Stenger, E. et al. (2014). “Lean production e riscos psicossociais: o caso de uma fusão multinacional de grupo metalmecânico no Brasil”. Cad. Saúde Pública 30, 8, Rio de Janeiro. http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2014000801765.


Recebido: 25 out. 2020

Aprovado: 16 nov. 2021

DOI: 10.20985/1980-5160.2021.v16n3.1683

Como citar: Forte, I.K. (2021) Impactos nos fatores psicossociais de lideranças em sistemas de produção enxuta. Revista S&G 16, 3. https://revistasg.emnuvens.com.br/sg/article/view/1683