Aderência entre gestão de projetos e o sistema de gestão de convênios e contratos de repasse (SICONV)

José da Assunção Moutinho1, Roque Rabechini Junior2

1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro

2 Universidade Nove de Julho


Destaques

Objetivo

Estudar a aderência entre as práticas de gestão de projetos preconizadas pelo PMI e o SICONV. Mesmo com os esforços do PMI na elaboração do Project Management Body of Knowledge (PMBOK) especificamente para o setor de Governo, não há estudo que o relacione com o ambiente eletrônico que fornece suporte às transferências voluntárias (SICONV).

Abordagem

O artigo aborda os conceitos de projetos e gestão de projetos; contextualiza a gestão de projetos no ambiente público e a organização do Estado Brasileiro, com destaque para o papel dos municípios nas transferências de recursos voluntários; apresenta o SICONV, suas fases e funcionalidades e traça um paralelo entre os grupos de processos do PMI e o fluxo operacional do SICONV.

Achados

O modelo definido pelo ambiente SICONV privilegia claramente os aspectos formais e legais das transferências voluntárias de recursos, isto é, a proposição do projeto por parte do ente municipal, a celebração do convênio entre município e governo federal, a formalização do ato, o monitoramento da implementação do projeto e a realização da prestação de contas. Destaca-se, ainda, que o modelo de gestão adotado possui diferentes intensidades de aderência às práticas em gestão de projetos, a depender da área do conhecimento analisada e da fase do ciclo de vida do ambiente.

Limitações da pesquisa

A análise de aderência das práticas de gestão de projetos ao SICONV indica lacunas que abrem caminho para investigação adicional, haja vista a dinâmica do ambiente apresentado.

Implicações práticas

A pesquisa apresenta a aderência entre áreas de conhecimento em gestão de projetos e ambiente do SICONV, apontando para a necessidade de se ampliar o modelo com o objetivo de elevar a gestão das transferências voluntárias para patamares mais altos.

Originalidade/valor

Identifca-se, na literatura especializada, uma forte restrição à ampla adoção de práticas de gestão de projetos na administração pública devido a peculiaridades do ambiente. Assim, entender a aderência existente entre as práticas de gestão de projetos e o SICONV para municípios brasileiros pode ajudar a preencher esta lacuna.


INTRODUÇÃO

Com o advento da Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988), os municípios brasileiros passaram a exercer o importante papel de representantes do poder público frente à população local. Essa estratégia de aproximação do Estado com a comunidade imbuiu esses entes subnacionais a assumir responsabilidades no desenvolvimento de políticas públicas que até então eram exclusivas das esferas superiores (Nel, 2001). Nesse sentido, o governo federal vem paulatinamente descentralizando grande parte das ações implementadas pelos seus ministérios valendo-se das transferências voluntárias como instrumento legal de viabilização. Dessa forma, os municípios vislumbram neste tipo de transferências intergovernamental a possibilidade de materializar demandas locais por novos serviços públicos.

No entanto, para receber recursos federais oriundos de transferências voluntárias, os municípios candidatos precisam cumprir uma série de exigências legais na apresentação de seus pleitos. Esses requisitos estão presentes notadamente no Decreto n. 6.170 (Decreto n. 6.170, 2007) e na Portaria Interministerial CGU/MP/MF n. 507 (Portaria Interministerial CGU/MP/MF n. 507, 2011), que condicionam os pretendentes a cumprir um conjunto de exigências, desde a apresentação inicial de proposta até o seu encerramento e a prestação final de contas dos recursos recebidos. Todo esse procedimento deve ser necessariamente realizado por intermédio do Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse (SICONV), um ambiente eletrônico disponibilizado pelo governo federal. O protocolo visa, em última análise, privilegiar a transparência necessária ao processo de transferência, além de assegurar que os usualmente escassos recursos públicos sejam aplicados de maneira adequada. Ele também facilita a prestação de contas à sociedade, evidenciando de forma clara o retorno dos investimentos subsidiados pelo erário público.

Não obstante as exigências do processo, o SICONV demonstra ser uma ferramenta de democratização do acesso aos recursos públicos federais, permitindo uma ampla divulgação aos editais dos ministérios, assim facilitando o processo de comunicação entre os entes da federação, e resultando em oportunidades mais concretas, principalmente para os municípios mais distantes do poder central. Todavia, para que os pleitos por transferências voluntárias se concretizem, é necessário que o encaminhamento das propostas de trabalho pelos entes proponentes seja manifestado na forma de projetos pelo SICONV, cujo objeto deve ser de interesse comum entre as partes (Prefeitura e Ministério).

No entanto, a elaboração destes projetos nem sempre é tarefa simples. Seja na definição de seus elementos ou no seu planejamento, para o correto e adequado cadastramento no SICONV, faz-se necessário que o ente proponente elabore projetos contendo informações claras e precisas. Uma justificativa bem fundamentada e contextualizada também é importante na defesa deste tipo de pleito. Desta forma, a exemplo das organizações privadas, a administração pública também deve buscar constantemente a excelência na gestão de seus projetos podendo valer-se, para tal, das práticas amplamente difundidas pelo Project Management Institute (PMI).

Atento às características específicas que envolvem os projetos desenvolvidos no setor público, o PMI publicou um conjunto de práticas em extensão ao Guide to the Project Management Body of Knowledge (Guia PMBOK). Ele foi criado especificamente para o setor de Governo (PMI, 2006), composto de princípios orientadores visando incremento de eficiência e eficácia. Há de se observar, no entanto, que assim como a adoção das práticas apontadas pelo PMBOK no ambiente privado, uma leitura desta Extensão do Guia precisa considerar profundamente os aspectos ambientais e culturais, já que podem variar intensamente entre regiões e ainda mais entre países (Hall et Holt, 2002).

Nesse contexto, Wirick (2009) indica que o ambiente privado favorece o alcance de resultados quando comparado ao setor público, que detém o seu principal foco na obtenção de benefícios sociais. Mesmo que um projeto aparentemente não seja viável quando analisado sobre o prisma de mercado, ele pode, sob a lente pública, ser implementado pelo fato de mitigar um determinado problema de interesse social. Como principais restrições para o desenvolvimento de projetos nesse tipo de ambiente, o autor destaca intensa interferência de componentes políticos, grupos de stakeholders com expectativas distintas em relação aos objetivos dos projetos, dificuldade de se estabelecer métricas de sucesso, restrições de mão de obra especializada para trabalhar no projeto, regras orçamentárias legais, ciclos eleitorais, mudanças periódicas de gestores públicos, excesso de legislação e burocracia, fortes restrições nos processos de aquisições e contratações, além de abordagens gerenciais excessivamente conservadoras neste tipo de organização.

Um estudo realizado por Eckert (2010) demonstrou as dificuldades enfrentadas por municípios brasileiros para operacionalizar convênios de transferências voluntárias com a União via SICONV. O autor assinala para a necessidade de um estudo mais aprofundado das relações existentes entre a União e os municípios brasileiros no que se refere à execução de políticas públicas compartilhadas. Esses resultados podem ser corroborados pelas informações constantes no Portal de Convênio (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, 2013), que indicam um baixo índice de efetivação de convênios resultantes de transferências voluntárias executadas pelos municípios (11% no ano de 2013).

Adicionalmente, o estudo conduzido por Moutinho, Kniess e Maccari (2013) apontou um forte restrição à ampla adoção de práticas de gestão de projetos na administração pública devido a algumas peculiaridades do ambiente, entre as quais destacam-se a necessária observância à Lei n. 4.320/64 (Lei n. 4.320, 1964), quando da execução financeira dos convênios via SICONV, assim como da Lei n. 8.666/93 (Lei n. 8.666, 1993) nos procedimentos que envolvem contratações.

Assim, entender a aderência de práticas de gestão de projetos com o sistema de gestão de transferências voluntárias de recursos para municípios brasileiros pode ajudar a preencher a lacuna existente na literatura referente aos impactos do gerenciamento de projetos na administração pública. Utilizando o SICONV, este estudo pretende responder como as práticas de gestão de projetos são aderentes ao processo de gestão das transferências voluntárias de recursos para municípios brasileiros.

A relevância desse tema justifica-se pela expressiva parcela de recursos descentralizados anualmente, por meio de transferências voluntárias, da União para municípios brasileiros (Tesouro Nacional, 2015). Nesse contexto, o presente artigo propõe-se a identificar a aderência da gestão de projetos ao ambiente do SICONV à luz de cada uma das áreas do conhecimento definidas no PMBOK (PMI, 2013) e, consequentemente, traçar um paralelo entre os dois ambientes. Espera-se que os resultados obtidos nesta investigação possam contribuir, mesmo que pontualmente, para o desenvolvimento do conhecimento científico em gestão de projetos no ambiente público.

 

REFERENCIAL TEÓRICO

Projetos e gestão de projetos

Todas as pessoas e organizações se deparam, diariamente, com uma grande quantidade de projetos. Simples ou complexos, eles fazem parte do cotidiano e, mesmo que inconscientemente, precisam ser gerenciados. Os projetos geralmente envolvem ações únicas ou empreendimentos que envolvem riscos e precisam ser completados numa certa data e com custos determinados, dentro de alguma expectativa de desempenho. No mínimo, todos necessitam ter seus objetivos bem definidos e recursos suficientes para poderem desenvolver as tarefas requeridas (Tuman, 1983; Kerzner, 2009; PMI, 2013).

Apesar de todos os projetos terem início e término bem definidos, as entregas e atividades específicas conduzidas nesse ínterim podem variar muito de acordo com as especificidades do projeto. O ciclo de vida dele oferece uma estrutura básica para seu gerenciamento, consistindo de fases, geralmente sequenciais, cujo nome e quantidade são determinados pela natureza do projeto e sua área de aplicação (PMI, 2013). Essa estrutura permite que o projeto seja segmentado em subconjuntos lógicos para facilitar seu gerenciamento e o controle efetivo de entregas importantes. A necessidade de fases e o grau de controle aplicado dependem do tamanho, da intensidade de complexidade e do impacto potencial do projeto. A dificuldade em gerenciar as fases de um projeto, entre outros motivos, pode levar uma mesma organização a admitir a coexistência de diferentes definições das fases do ciclo de vida dele (Kerzner, 2009).

Para qualquer empreendimento ter sucesso, precisa ser administrado. O gerenciamento de projetos consiste na aplicação de um conjunto de técnicas e ferramentas às atividades do projeto com o intuito de alcançar um objetivo previamente definido, além do cumprimento de seus requisitos. O PMI (2013) define cinco grupos de processos, conforme suas interações e níveis de sobreposição ao longo do tempo.

O primeiro grupo é definido como Iniciação. Ele é composto por processos realizados para definir um novo projeto ou uma nova fase de um projeto existente, indicando limitação de recursos, reconhecimento dos benefícios do projeto e designação do gerente e seu nível de autoridade. O início do projeto ocorre de diversas formas nas organizações, sendo percebido de maneiras diferentes pelas partes interessadas (Carvalho et Rabechini, 2015).

O segundo grupo denomina-se Planejamento, e é caracterizado por um conjunto de ações realizadas para definir os elementos do projeto, refinar os objetivos e desenvolver um curso necessário para alcançá-los por meio de um plano. Kerzner (2009) salienta que o gerenciamento de projetos bem-sucedido, seja em resposta a um projeto interno ou a uma solicitação do cliente, deve utilizar técnicas eficazes de planejamento, em que o primeiro passo é a clara compreensão dos objetivos. Referindo-se à abrangência necessária no plano do projeto, Carvalho et Rabechini (2015) enfatizam que um dos principais desafios do gerenciamento de projetos é acertar um plano de projeto onde estejam representadas todas as preocupações a serem administradas.

O próximo grupo intitula-se Execução e pode ser entendido como a razão do empreendimento existir, pois materializa o objetivo do projeto (PMI, 2013). Por esse motivo, requer maior intensidade de trabalho e alocação de recursos. Esse grupo é responsável pela coordenação e direção de todo o trabalho necessário a ser realizado pelos membros da equipe do projeto, de acordo com o plano preestabelecido, visando satisfazer suas especificações. Segundo Carvalho et Rabechini (2015), a dinâmica do projeto toma outra frequência, significando que o gestor deve ficar mais atento, pois os impactos nos resultados tornam-se mais evidentes e reais.
O grupo de Monitoramento e Controle corresponde ao rastreamento do progresso do projeto e da análise das variações e impactos, com a realização de ajustes quando necessário. É fundamental que esse grupo seja realizado não somente em determinados momentos do projeto, mas também após a entrega dos itens deliverables e, principalmente, durante todo o processo de Execução, garantindo, assim, o permanente acompanhamento dos efetivos ou potenciais desvios quando confrontados com as ações planejadas.

O último grupo de processos é chamado de Encerramento. Caracteriza-se por finalizar as atividades de todos os grupos de processos e pelo fechamento e formalização do término do projeto ou de uma fase do projeto. Carvalho et Rabechini (2015) chamam a atenção para esse grupo de processos destacando que as organizações que conseguem porções de mercado o fazem por terem justamente realizado de forma adequada o encerramento de seus projetos.

Para projetos, o PMI (2013) também define dez áreas do conhecimento: integração, escopo, tempo, custos, qualidade, recursos humanos, comunicação, riscos, aquisições e stakeholders, cada qual com um propósito específico e composta por um conjunto de processos que interagem entre si. Tal interação comprova-se pelo fato das saídas (resultados) dos processos servirem como entradas (insumos) para outros, podendo pertencer tanto às mesmas áreas quanto a áreas diferentes do conhecimento.

Gestão de projetos no ambiente público

O conceito de New Public Management (Hood, 1991), introduzido a partir da década de 1980 em diversos países, trouxe consigo a adoção de práticas de gestão dos projetos amplamente difundidas com a implementação de políticas públicas, no sentido de intensificar compromissos com resultados. Mesmo com a dificuldade de se estabelecer um sistema conceitual integrado para esta área de gestão, diversos pesquisadores têm demonstrado interesse em discutir e identificar características próprias na gestão de projetos públicos (Nel, 2001; Flyvbjerg, 2007; Sambasivan et Soon, 2007; Yuttapongsontorn, De Souza et Braganza, 2008; Flyvbjerg, Garbuio, Lovallo, 2009; Wirick, 2009; Chigona et al, 2010) e estabelecer um quadro referencial para projetos públicos (TBCS, 2010; SPD, 2013).

No Brasil, o conceito de Nova Gestão Pública (Paula, 2005) se formalizou em 1995 com a Reforma Gerencial do Estado, contribuindo para a formação de um corpo público mais forte, eficiente e fundamentado na descentralização da estrutura do Estado, além de maior autonomia dos gestores públicos e implantação de novos paradigmas culturais, como a introdução de práticas de gestão de projetos. Tal tendência pode ser observada nos estudos que vêm sendo conduzidos por diversos pesquisadores (Iaczinski et Scarpin, 2006; Alves, 2007; Toscano, Souza et Barrence, 2008; Rosa, 2009; Siqueira et al, 2010; Furtado, Fortunato, Teixeira, 2011; Rego et Silva, 2011; Moutinho, Kniess, Maccari, 2013; Nascimento, Veras, Milito, 2013).

A organização do Estado brasileiro, o papel dos municípios e as transferências de recursos

Em 1988 foi promulgada a mais recente Constituição Federal do Brasil, trazendo, pela primeira vez, o município considerado ente federativo, além dos Estados e do Distrito Federal (Meirelles, 1993). No seu art. 18º, a Constituição Federal (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988) enuncia: “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” A Constituição de 88 ainda redefiniu uma nova ordem institucional e tributária com a transferência de responsabilidade para os municípios de serviços públicos, que até então ficavam a cargo das esferas superiores. Nota-se, no entanto, que os municípios pequenos, que representam cerca de 90% dos municípios do país (IBGE, 2014), chegam a ter 85% das suas receitas constituídas por receitas de transferências (Tesouro Nacional, 2015), demonstrando sua quase total dependência.

As transferências intergovernamentais e multigovernamentais

O papel desempenhado pelas transferências inter e multigovernamentais é fundamental para a execução das ações locais, assim como as transferências diretas aos cidadãos. A legislação pertinente define:

a) Transferências constitucionais — previstas na Constituição Federal de 1988, notadamente em seus artigos 60 e 159 (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988).

b) Transferências legais — repasses aos entes federativos previstos em leis específicas (Portal da Transparência, 2014). c) Transferências diretas ao cidadão — por meio de programas de concessão de benefício monetário diretamente à população-alvo da ação (Portaria n. 2.917, 2000; Portaria SEAS/MPAS n. 879, 2001; Lei n. 10.836, 2004).

d) Transferências diretas ao SUS — fundo a fundo, visando garantir o cumprimento de ações e serviços do Sistema Único de Saúde por meio da Emenda Constitucional n. 29 (Emenda Constitucional n. 29, 2000).

e) Transferências voluntárias — repasse não obrigatórios de recursos financeiros da União (Decreto n. 6.170, 2007). Pela razão do foco deste artigo tratar das transferências voluntárias, o tema passa a ser descrito a seguir.

Transferências voluntárias

Como mencionado anteriormente, os entes subnacionais (estados e municípios) assumiram maiores responsabilidades no provimento de serviços públicos para atendimento da comunidade regional no período pós-88. Aliado a isso, a sociedade também intensificou sua cobrança por ações concretas. O poder público precisa, então, buscar alternativas e soluções exequíveis para responder a essas demandas sociais. Como soluções viáveis, surgiram as parcerias intergovernamentais e as transferências voluntárias de recursos resultantes do processo orçamentário anual dos governos superiores. Uma ação voluntária da esfera superior significa dedicar uma parte dos seus recursos orçamentários para serem transferidos aos governos subnacionais.

O caput do artigo 25, da Lei Complementar n. 101 (Lei Complementar n. 101, 2000), define transferência voluntária como “[...]a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde”.

Como observado no instrumento legal, esse tipo de transferências se caracteriza por não haver contingência legal que restrinja a discricionariedade do governo estadual ou federal que transfere o recurso financeiro, e daí decidir o município com o qual estabelecerá tal cooperação. Também não existe norma que obrigue o município a aceitar a relação de cooperação proposta pelo governo estadual ou federal. Nesse sentido, a transferência voluntária envolve uma cooperação espontânea de dois níveis de governo, regulada pelas próprias partes envolvidas. Para melhor compreensão de todo o fluxo de transferência voluntária de recursos da União para municípios, torna-se fundamental a apresentação do ambiente virtual que lhe fornece suporte, o SICONV.

SICONV – fases e funcionalidades

Desde sua implantação, no ano de 2008, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, enquanto órgão gestor do SICONV, tem investido na sistematização das rotinas e procedimentos destinados a melhorar a eficiência e a qualidade na utilização do sistema (Tribunal de Contas da União, 2009). Diversos estudos (Vieira et Aguiar Neto, 2013; Vieira, 2013; Vieira et Kawashita, 2013; Andrade, Almeida et Aguiar Neto, 2014) sobre o SICONV foram desenvolvidos com o intuito de identificar um modelo de referência como novo paradigma para a gestão de contratos objetos de transferências voluntárias. A seguir descrevem-se as fases e funcionalidades do SICONV.

A primeira fase de um convênio, ilustrada na Figura 1, denomina-se Proposição do Convênio. É caracterizada a partir do conhecimento da realidade socioeconômica local, que identifica as necessidades existentes na comunidade e o estabelecimento de prioridades.

Figura 1. Fluxo operacional de proposição de convênio no SICONV.

Figura 1

Fonte: Adaptado de Tribunal de Contas da União (2009)

Uma vez concluídos esses estudos, recomenda-se que o projeto a ser implementado deva contemplar a ação mais urgente e eficaz dentro de determinada área carente, além de observar o impacto do projeto na comunidade, a relação custo-benefício, o valor do projeto e a disponibilidade de recursos próprios para arcar com a contrapartida (Tribunal de Constas da União, 2009). O interessado deve, em seguida, buscar no órgão próprio (Ministério ou Fundo) a fonte de recursos necessários à implantação do projeto desejado. Observando-se o fato dos recursos disponíveis no orçamento da União serem limitados e sofrerem constantes contingenciamentos segundo prioridades definidas pelo governo federal, é importante que o gestor municipal conheça os diversos programas federais existentes; notadamente suas exigências, finalidades e condições de participação.

Ainda nessa fase, o proponente deve elaborar uma proposta de trabalho (projeto) que deverá conter, minimamente, as razões que justifiquem a celebração do instrumento, a descrição completa do objeto a ser executado, a descrição das metas a serem atingidas, a previsão de prazo para a execução com cronograma e as informações relativas à capacidade técnica e gerencial (Tribunal de Contas da União, 2009).

A viabilidade da proposta de trabalho é então analisada pela concedente à luz dos objetivos do programa governamental enquadrado. Uma vez aceita, passa a ser denominada como plano de trabalho. Adicionalmente ao plano de trabalho, o proponente deve elaborar o projeto básico que consiste numa precisa caracterização da obra, instalação ou serviço objeto do convênio, incluindo nisso o estudo de viabilidade técnica, custos, fases ou etapas e prazos de execução. Quando o objeto do convênio tratar da aquisição de bens ou prestação de serviços, o projeto básico passa denominar-se termo de referência. Esses instrumentos têm por objetivo demonstrar a viabilidade e a conveniência da execução do projeto, e representam peças fundamentais para o ingresso à fase subsequente. Não obstante as características técnicas do projeto, que dizem respeito ao seu objeto, a celebração de convênios é revestida por um conjunto de pré-requisitos formais, sem o qual o poder público não pode celebrar instrumento de repasse, estabelecido pelo Decreto n. 6.170/2007 (Decreto n. 6.170/2007, 2007), pela Lei Complementar n. 101/2000 (Lei Complementar n. 101, 2000) e pela Lei n. 12.919/2013 (Lei n. 12.919, 2013).

Além disso, deve ser observada a publicidade dos extratos da celebração do acordo, além da necessária ciência pelo convenente, ao conselho local ou instância de controle social da área vinculada ao programa de governo que originou a transferência. E, então, a concedente deve notificar a celebração do instrumento e a liberação dos recursos ao respectivo órgão legislativo. Após a formalização do instrumento e a publicidade legal necessária, o convênio passa então para a fase de execução e, quando encerrado, para a prestação de contas, como ilustrado na Figura 2. Cabe destacar a forte interação existente entre os partícipes, pois este módulo é caracterizado pelo seu intenso acompanhamento por parte da concedente.

De acordo com o Tribunal de Contas da União (2009), o êxito na fase de execução está atrelado ao atendimento a dois fatores: cumprir integralmente o estabelecido no plano de trabalho aprovado e seguir à risca as normas de administração orçamentária e financeira da administração pública federal. Qualquer falha nessa fase do convênio pode comprometer as contas posteriormente apresentadas ao órgão repassador dos recursos. Portanto, caso o convenente entenda a necessidade de executar o convênio de forma diferente do inicialmente estabelecido, torna-se necessário consultar a concedente antes de realizar qualquer tipo de despesa que não esteja originalmente planejada. No que se refere à execução financeira do convênio, alguns procedimentos devem ser realizados, como a movimentação dos recursos em conta bancária específica e os pagamentos seguindo todos os estágios nas despesas na administração pública, preconizados pela Lei n. 4.320/64 (Lei n. 4.320, 1964). Esta define as normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal: empenho, liquidação e pagamento.

Figura 2. Fluxo operacional de execução e prestação de contas de convênio no SICONV.

Figura 2

Fonte: Adaptado de Tribunal de Contas da União (2009)

A última fase é definida como Prestação de Contas do Convênio. Todo ente ou instituição que recebe recursos públicos federais por meio de convênios está sujeito a prestar contas de sua aplicação ao órgão repassador. De nada adianta ter executado bem as fases anteriores do convênio se a prestação de contas não for apresentada tempestiva e convenientemente. Além do órgão concedente, todas as informações concernentes ao convênio devem ser inseridas no SICONV, contribuindo, dessa forma, para a transparência e o controle social dos atos de gestão dos administradores públicos envolvidos na execução dos convênios.

 

PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

A pesquisa empírica desenvolvida neste artigo pode ser classificada quanto aos objetivos como exploratória. Cooper et Schindler afirmam que “os estudos exploratórios tendem a gerar estruturas soltas com o objetivo de descobrir futuras tarefas de pesquisa” (2008, p. 128). Gil (2010, p. 27) destaca que a pesquisa exploratória é desenvolvida no sentido de proporcionar uma visão global acerca de determinado fato. Portanto, esse tipo de pesquisa é realizado, sobretudo, quando o tema escolhido é pouco explorado e torna-se difícil formular hipóteses precisas e operacionalizáveis. Como estratégia, optou-se pelo estudo de caso, pelo fato de a questão de pesquisa abordar um evento contemporâneo sem a possibilidade de controle sobre os eventos comportamentais (Yin, 2015).

No entanto, Martins et Theóphilo (2009) chamam a atenção para o fato da construção de uma pesquisa a partir de um estudo de caso exigir mais atenção e habilidades do pesquisador do que a condução de uma pesquisa com abordagem metodológica convencional. Para Eisenhardt (1989), o estudo de caso configura-se como uma estratégia investigativa com foco na compreensão de eventos contemporâneos singulares. Martins et Theóphilo (2009) ressaltam que a necessária flexibilidade do estudo de caso traz vantagens peculiares e oferece qualidade ao produto da investigação. Os autores indicam que, para esse tipo de estratégia, que a coleta de dados deve basear-se em diversas fontes de evidências. De fato, seguindo os preceitos de Martins et Theóphilo (2009), a confiabilidade da pesquisa foi garantida por meio da triangulação de quatro fontes de evidências na unidade de análise (a Prefeitura de Três Rios), sendo visitadas concomitantemente:

a) Evidências documentais (Yin, 2015, p. 108) — análise de documentos administrativos da prefeitura: relatórios dos projetos, memorando expedidos entre as secretarias, atas de reuniões com ministérios e agentes financeiros, informações constantes em sites oficiais (da prefeitura de Três Rios e do Governo Federal). Destaca-se como vantagem desse tipo de fonte a sua estabilidade, ou seja, a possibilidade de revisitar repetidamente sua descrição já que não foi criada em consequência do estudo de caso.

b) Registros em arquivos (Yin, 2015, p. 113) — análise de informações e projetos oriundos de arquivos internos da prefeitura e registros organizacionais como os orçamentos anuais e estrutura organizacional, assim como o registro das propostas de projetos no SICONV.

c) Entrevistas (Yin, 2015, p. 114) — conversas guiadas com os seis gestores municipais que utilizam o SICONV. Inicialmente, levantaram-se os perfis dos entrevistados (Figura 3) e na sequência foram feitas perguntas com o objetivo de identificar a ênfase dada para cada uma das áreas do conhecimento definidas pelo PMI ao longo do ciclo de vida do projeto definido para o SICONV (Figura 4). Essa fonte de evidências e dados é considerada essencial por proporcionar insights importantes sobre os assuntos tratados.

Figura 3. Perfil dos Entrevistados.

Figura 3

Fonte: elaborado pelos autores

Figura 4. Síntese de convergência das entrevistas com os gestores municipais.

Figura 4

Fonte: elaborada pelos autores

d) Artefato físico (Yin, 2015, p. 122) — possibilita a análise do modelo de gestão do SICONV à luz das práticas em gestão de projetos, identificando, dessa forma, as áreas de conhecimento mais e menos enfatizadas. Os resultados da coleta de dados, por meio das fontes elencadas, permitiram o desenvolvimento de linhas convergentes de investigação no fundamental processo de triangulação de dados (Yin, 2015).

 

RESULTADOS

O caso em estudo

A unidade de análise escolhida foi a prefeitura de Três Rios, no estado do Rio de Janeiro. De acordo com o balanço de 2014 do município de Três Rios publicado no site da prefeitura (Três Rios, 2015), a receita orçamentária foi de R$ 150.093.437,95 (cento e cinquenta milhões, noventa e três mil, quatrocentos e trinta e sete reais e noventa e cinco centavos), dos quais R$ 27.893.497,40 (vinte e sete milhões, oitocentos e noventa e três mil, quatrocentos e noventa e sete reais e quarenta centavos) foram provenientes da arrecadação própria, representando 18,58% do total de sua receita anual. Por outro lado, as receitas de transferências totalizaram R$122.199.940,55 (cento e vinte e dois milhões, cento e noventa e nove mil, novecentos e quarenta reais e cinquenta e cinco centavos) correspondentes a 81,42% da receita anual de 2014. Dessa forma, fica caracterizado que o município encontra nas receitas de transferências sua principal fonte de recursos.

Com o objetivo de concorrer a recursos oriundo de transferências voluntárias provindas do processo de descentralização do orçamento dos Ministérios, no período de janeiro 2009 a dezembro 2014, a Prefeitura de Três Rios cadastrou 64 propostas no SICONV (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, 2015), das quais 36 materializam-se em convênios e 14 foram efetivamente executadas. Pelo fato de escapar ao escopo deste trabalho, não será realizada uma análise mais aprofundada sobre os motivos pelos quais não foi contratada a totalidade das propostas apresentadas. No período analisado, os convênios assinados entre a prefeitura e o governo federal alcançaram o montante total de R$23,1 milhões, destinados à execução de diversos objetos conveniados. No entanto, cabe destacar que, para o município receber tais recursos, houve a necessidade de disponibilizar uma contrapartida financeira no valor de R$ 2,6 milhões, oriunda de receita própria, para atender a conformidade com o item I do § 1° do art.60 da Lei n. 12.919/2013 (Lei n. 12.919, 2013).

Modelo de gestão do SICONV à luz das práticas em gestão de projetos

A análise do modelo de gestão do SICONV levou em consideração as fases definidas para o ciclo de transferências voluntárias: proposição, celebração e formalização; execução e controle; e prestação de contas (Tribunal de Contas da União, 2009) à luz das dez áreas do conhecimento definidas pelo PMI: integração, escopo, prazo, custo, qualidade, comunicações, recursos humanos, riscos, aquisições e stakeholders (PMI, 2013). O objetivo foi identificar a aderência das práticas em gerenciamento de projetos em cada fase do fluxo operacional do SICONV (artefato) e traçar um paralelo entre os dois ambientes.

Proposição, celebração e formalização no SICONV

A primeira fase do fluxo operacional é caracterizada pela proposição, celebração e formalização do instrumento de parceria entre a concedente e a convenente. Essa seção se destina a identificar os elementos de gestão de projetos dos grupos de processos iniciação e planejamento presentes nesta fase do SICONV. Por meio da análise do modelo de gestão realizada pelos autores, elaborou-se a Figura 5, que apresenta uma síntese para cada uma das áreas do conhecimento nos grupos de iniciação e planejamento levando em consideração os elementos observados no ambiente responsável pelas transferências voluntárias. Em decorrência das informações analisadas, percebe-se que na fase de Proposição, Celebração e Formalização, o SICONV enfatiza o gerenciamento do escopo, dos custos e das aquisições e por outro lado, desconsidera completamente áreas de qualidade, riscos e stakeholders.

Figura 5. Síntese da aderência da fase de proposição, celebração e formalização à luz das práticas em gerenciamento de projetos: Iniciação e Planejamento

Figura 5

Fonte: elaborada pelos autores

Execução e Controle

A segunda fase do fluxo operacional é caracterizada pela execução e controle do contrato de repasse celebrado entre a concedente (ministério) e a convenente (prefeitura). O êxito nessa fase do convênio depende essencialmente de dois fatores: seguir à risca o planejamento definido no plano de trabalho aprovado e observar as normas da administração orçamentária e financeira pública federal constante na Lei n. 4.320/64 (Lei n. 4.320, 1964). Elaborado a partir das informações levantadas, a Figura 6 apresenta uma síntese da aderência do modelo de gestão do SICONV a práticas em gerenciamento de projetos durante os grupos de processos de execução, monitoramento e controle no que tange cada área do conhecimento definida por PMI (PMI, 2013).

Por meio da análise do modelo de gestão do SICONV feita pelos autores, percebe-se que na fase de Execução e Monitoramento o modelo de gestão do SICONV dá mais ênfase às áreas de integração, escopo, custo (mesmo com o conceito de despesa) e aquisição. Por outro lado, desconsidera completamente as áreas de qualidade, riscos, stakeholders e recursos humanos.

Figura 6. Síntese da aderência da fase de execução e controle da proposta à luz das práticas em gerenciamento de projetos: Execução, Monitoramento e Controle.

Figura 6

Fonte: elaborada pelos autores

Prestação de Contas

A terceira e última fase do fluxo operacional do SICONV é definida como a prestação de contas do convênio ou contrato de repasse celebrado entre a concedente e a convenente. Ao receber recursos voluntários, toda instituição tem por obrigação prestar contas, tempestivamente, da boa e regular aplicação financeira, utilizando, para tanto, o Sistema de Gestão de Contratos e Convênios. A partir da vigência do Decreto n. 6.170/2007 (Decreto n. 6.170, 2007), essa prestação de contas passa a ser publicada na página Portal dos Convênios. A Figura 7 apresenta uma síntese da aderência dessa fase às práticas em gestão de projetos para as áreas de aquisições e integração.

Figura 7. Síntese da aderência da fase de prestação de contas à luz das práticas em gerenciamento de projetos: Encerramento.

Figura 7

Fonte: elaborada pelos autores

Análise das entrevistas

Quando indagados sobre a percepção de existência de algum benefício na utilização do SICONV no processo de gestão de projeto, os respondentes indicaram o ambiente como agente disciplinador e ordenador das relações concedente-convenente, visto que todo o relacionamento interinstitucional (solicitações e pareceres) é feito via sistema, demonstrando o forte viés de transparência. Foi ainda apontado que o ambiente é propício ao ordenamento dos processos, facilitando o planejamento e acompanhamento das ações. Ele agiliza a comunicação entre o município e o governo federal e possibilita a gestão completa dos convênios, pois cobre desde a fase de elaboração até a prestação de contas.

As questões seguintes merecem ser analisadas conjuntamente, pois trataram da percepção da presença das áreas de conhecimento definidas pelo PMI (PMI,2013) no ambiente do SICONV. Os entrevistados perceberam consensualmente como mais presentes as áreas de escopo, custos e aquisições; e de maneira pontual, tempo, qualidade, comunicação, integração e stakeholders. Como áreas menos percebidas no Sistema, houve consenso em riscos e citações pontuais de recursos humanos, qualidade, comunicação e integração.

Como dá para perceber, algumas áreas do conhecimento foram unânimes tanto como mais observadas quanto menos presentes no SICONV. No entanto, outras áreas foram apontadas nas duas respostas — qualidade, comunicação e integração. Esse fato indica que talvez os respondentes não conheçam profundamente o SICONV ou não consigam associar essas áreas do conhecimento ao modelo proposto pelo Sistema. De toda forma, as entrevistas corroboraram a análise do modelo de gestão do SICONV realizada, apontando que as áreas do conhecimento escopo, custo e aquisições constituem o núcleo do ambiente.

A partir da triangulação das fontes de evidências utilizadas nesta pesquisa, tornou-se possível elaborar uma relação entre as fases de um convênio, gerido por intermédio do SICONV, e os grupos de processos definidos pelo PMI, demonstrando uma aderência entre os dois modelos, como pode ser verificado na Figura 8.

Figura 8. Relação entre as fases de um convênio e os grupos de processos do PMI

Figura 8

Fonte: os próprios autores

 

DISCUSSÕES

Os resultados encontrados na pesquisa apontam para a predominância das áreas de escopo, custos e aquisições no sistema responsável pela gestão das transferências voluntárias. A abordagem dessas áreas de conhecimento vai parcialmente ao encontro das diretrizes estabelecidas pelo SPD Texas (2013), que, além das áreas citadas, ainda inclui prazo e riscos como sendo fundamentais para qualquer tipo de projeto desenvolvido no ambiente público.

De fato, Sambasivan et Soon (2007) já haviam destacado a gestão de tempo como primordial em projetos públicos na área de construção civil, estabelecendo uma relação empírica causal entre fatores de atraso e seus impactos na conclusão. O planejamento inadequado do tempo necessário para a execução do projeto e a falta de ferramentas de gestão dos prazos resultaram em desvios consideráveis com implicações diretas nos custos finais dos empreendimentos analisados.

O consenso com a preocupação da gestão de custos no SICONV corrobora ainda os estudos conduzidos por Sambasivan et Soon (2007) e Flyvbjerg et al. (2009, que sinalizam para a necessidade de se estabelecer uma intensa gestão dessa área do conhecimento principalmente durante o planejamento do projeto, já que as estimativas iniciais, demasiadamente otimistas, tendem a não se confirmar durante a sua execução.

A gestão de riscos foi a área de conhecimento que se fez mais ausente nos resultados encontrados nesta pesquisa, apesar de sua extrema importância. A esse respeito, o estudo de Flyvbjerg (2007) já apontava a preocupação com a gestão dos riscos em projetos públicos pelo fato, via de regra, de implementar projetos complexos cujo grau de incerteza tende a ser considerável e ainda destacou a carência de uma base empírica para avaliação de riscos em projetos públicos. Rego e Silva (2011) também sinalizaram que a área de riscos vem se destacando como bastante crítica para a gestão de projetos públicos, indicando não haver uma cultura organizacional, no Brasil, que reconheça tal importância.

Stakeholders também foi outra área não percebida no ambiente do SICONV. Contrariamente a esse resultado, o trabalho de Chigona et al.(2010) chama a atenção para a necessidade de uma gestão formal das partes interessadas em projetos públicos pelo fato de as expectativas serem geralmente heterogêneas ou, ainda, devido à grande quantidade de interações existentes entre as diversas partes interessadas. Yuttapongsontorn et al.(2008) também indicaram que a gestão das partes interessadas, principalmente daquelas que podem ter maior influência sobre os resultados dos projetos, pode ser decisiva para o sucesso em projetos públicos. Nesse mesmo sentido, Carvalho et Rabechini (2015) ressaltam que os stakeholders devem ser identificados o mais cedo possível, pois podem ter um grau de influência decisivo sobre a definição de diversos elementos que constituem o projeto.

 

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

As conclusões foram elaboradas com vistas a responder à questão de pesquisa inicialmente proposta: utilizando o SICONV, como as práticas de gestão de projetos são aderentes ao processo de gestão das transferências voluntárias de recursos para municípios brasileiros? A análise do modelo de gestão permitiu afirmar que há aderência entre as práticas de gestão de projetos e o ambiente do SICONV, resultando nas considerações a seguir elencadas.

Com a finalidade de materializar o Decreto 6.170/2007, o modelo definido pelo ambiente SICONV privilegia claramente os aspectos formais e legais das transferências voluntárias de recursos, isto é, a proposição do projeto por parte do ente municipal, a celebração do convênio entre as partes (município e governo federal), a formalização do ato, o monitoramento da implementação do projeto e a realização da prestação de contas. O modelo de gestão adotado possui diferentes intensidades de aderência às práticas em gestão de projetos, a depender da área do conhecimento analisada e da fase do ciclo de vida do ambiente.

Na primeira fase, caracterizada pela proposição, celebração e formalização do convênio, as áreas do conhecimento que mais intensamente se destacam são: aquisições e custos. Tal ênfase relaciona-se ao fato do gestor (Ministério) ter na sua principal preocupação o planejamento das aquisições e contratações, assim como os preços adotados à luz do SINAPI ou pesquisa de mercado conforme o caso (Portaria Interministerial CGU/MP/MF n. 507, 2011). As áreas que tratam do escopo, do tempo, dos recursos humanos e da comunicação também foram abordadas, no entanto, de forma superficial, sem a profundidade e detalhamento preconizados pelo PMI. Já as áreas de qualidade, riscos e stakeholders sequer foram abordadas. De fato, percebe-se o pouco compromisso com o atendimento aos requisitos das principais partes interessadas (onde se incluem os cidadãos) e à adequação ao uso, assim como a falta de preocupação com os eventos incertos que podem impactar, tanto na execução do projeto quanto nos seus resultados.

Durante a segunda fase do convênio — execução e controle — as áreas do conhecimento que mais se destacam no SICONV são escopo, aquisições e integração. Privilegia a verificação das metas do projeto, o registro de todas as etapas dos processos licitatórios e dos contratos referentes às aquisições, assim como do controle integrado de mudanças. A área de conhecimento custos também é bastante enfatizada nesta fase. No entanto, cabe novamente destacar que o modelo observa tanto o ingresso dos recursos federais e da contrapartida para a execução do projeto, quanto o registro das despesas decorrentes da sua implementação, não fazendo alusão a técnicas de monitoramento, conforme amplamente preconizado pelo PMI. Já as áreas de conhecimento tempo e comunicação são parcialmente contempladas, restringindo a sua utilização, respectivamente, ao controle da vigência do convênio e ao armazenamento das informações acerca do projeto. Nesta fase, adiciona-se às áreas de conhecimento riscos, stakeholders e qualidade, recursos humanos, pois o modelo não trata nem da mobilização, nem do desenvolvimento, nem do gerenciamento da equipe do projeto Na última fase do convênio, definida como prestação de contas, o modelo detém-se na formalização, junto ao gestor federal, da comprovação da correta aplicação dos recursos financeiros e do atingimento dos objetivos inicialmente pactuados. Quanto ao encerramento das aquisições definido pelo PMI, qualquer pendência necessariamente há de ser resolvida antes da liquidação da despesa e do pagamento ao fornecedor, ou seja, durante a vigência do convênio e não na fase de prestação de contas.

Cabe ainda destacar a necessidade de se avaliar mecanismo legal visando suportar os custos com os riscos inerentes ao processo de transferências voluntárias de recursos. O art. 27 da Portaria Interministerial n. 507 (Portaria Interministerial CGU/MP/MF n. 507, 2011) apenas possibilita o município a incluir no BDI – Bonificação e Despesas Indiretas, os custos com a taxa de riscos, somente quando se tratar da contratação de obras e serviços de engenharia. Isso demonstra uma concepção restrita sobre os riscos normalmente associados a um projeto, na perspectiva do PMI.

O modelo de gestão definido no SICONV proíbe a inclusão de custo com a equipe de gerenciamento dos projetos. O art. 52 da mesma portaria estabelece: “O convênio deverá ser executado em estrita observância às cláusulas avençadas e às normas pertinentes, inclusive esta Portaria, sendo vedado: I - Realizar despesa a título de taxa de administração, de gerência ou similar...”. Assim, os municípios devem arcar com tais custos como contrapartida implícita, seja alocando funcionários da prefeitura para gerenciar os projetos, seja contratando empresa para tal — o que, em muitos casos, inviabiliza o projeto.

Não se pode deixar de citar o contínuo esforço do governo federal, materializado com a implantação do SICONV, que incorpora importantes elementos em seu modelo de gestão, notadamente nas áreas de conhecimento de escopo, custos e aquisições. No entanto, as demais áreas do conhecimento também precisam ser evidenciadas, já que fazem parte do corpo de conhecimento de gestão de projetos e que, juntas, poderão elevar a gestão das transferências voluntárias para patamares mais altos.

Não obstante o importante passo dado com a implantação do sistema, verifica-se que os principais atores (governo federal, prefeituras e agentes financeiros) precisam dar um salto qualitativo no processo de gestão das transferências voluntárias, com o consequente desdobramento nas políticas públicas implementadas, sob pena de subutilizar esta preciosa ferramenta para a gestão das transferências de recursos.

É imperativo que o governo federal proveja recursos, não só para ações estruturais, mas também para ações estruturantes nos municípios brasileiros, principalmente naqueles com maiores restrições orçamentárias. A implantação de escritórios de projetos na administração pública pode abrir o caminho para o incremento da maturidade em gestão de projetos, fundamental para a quebra de paradigmas em busca de uma cultura voltada para resultados.

A partir da pesquisa realizada, constata-se que o tema abordado ainda é pouco investigado pelos pesquisadores, e que há um campo bastante fértil a ser explorado. Por conseguinte, o presente artigo não pretende esgotar o tema pesquisado e tampouco generalizar suas conclusões. Assim, entre os possíveis desdobramentos para futuras pesquisas, cabe citar:


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