UTILIZAÇÃO DO ÍNDICE DE QUALIDADE DA ÁGUA COMO INDICADOR DA GESTÃO DO IMPACTO DO TURISMO EM PARATY, RIO DE JANEIRO/BRASIL


Estefan Monteiro da Fonseca1, José Antônio Baptista Neto1, Carlos Marclei Arruda Rangel1, Leonardo da Silva Lima1, Priscila S. de Oliveira1

1Universidade Federal Fluminense

Destaques

Desenvolvimento turístico na costa sul do Rio de Janeiro;

Os impactos da qualidade da água resultantes da presença humana;

Foram selecionadas 20 estações de amostragem de água e a variação sazonal da qualidade da água foi avaliada;

Mudanças de qualidade da água entre as estações se tornaram claras;

O Índice de Qualidade da Água (IQA) foi muito útil para a classificação das águas monitoradas.

Objetivo

O principal objetivo do presente trabalho é detectar a influência do turismo na qualidade da água do município de Paraty e corpos de água adjacentes, analisar os parâmetros individuais e usar o IQA.

Desenho/metodologia/abordagem

No presente artigo um simples instrumento de gestão foi aplicado para evitar futuros impactos turísticos nas zonas costeiras.

Resultados

Embora considerado em seu estado natural, a área já mostrou sinais de impacto.

Limitações/implicações da investigação

A análise precisa ser mais realçada para encontrar a evolução espaciotemporal no ambiente estuarino

Implicações práticas

O artigo fornece um ponto de partida para minimizar os impactos negativos do turismo.

Originalidade/valor

O presente trabalho contribui para que o turismo se torne um fator positivo de desenvolvimento local.

Palavras-chave: Esgoto doméstico; Índice de Qualidade da Água; Impacto do Turismo; Hidrocarbonetos


1. INTRODUÇÃO

A indústria do turismo está, atualmente, entre as maiores atividades do mundo e é o setor econômico de mais rápido crescimento, representando 5% da economia global (Buckley, 2011). Nesse cenário, o turismo costeiro é uma parcela significativa do setor de turismo que deve ser rapidamente desenvolvida em termos de volume e valor (Vogt, 1997), resultando em contínuas preocupações sobre sua sustentabilidade ambiental (Bulleri et Chapman, 2010). A flutuação demográfica resultante pode afetar diretamente os ecossistemas através de poluição localizada ou difusa. A poluição das massas de água transformou-se no principal problema ambiental, afetando a saúde humana, os recursos hídricos e os ecossistemas (Tarazona, 2014).

Áreas distintas da Terra enfrentam diferentes tipos de problemas relacionados com a ocorrência, uso e controle da água, o que pode afetar negativamente a sustentabilidade desses recursos. A contaminação da água em áreas turísticas pode resultar no tratamento de águas residuais insuficiente ou inexistente. Em muitos casos, os hotéis e outras instalações recreativas não possuem suas próprias estações de tratamento de esgoto e não estão conectados a nenhum sistema (Kocasoy et al., 2008). Por outro lado, o aumento da carga de resíduos durante o período turístico não pode ser absorvido pela rede de tratamento público devido à infraestrutura local limitada.

Atualmente, muitos parâmetros físicos e químicos utilizados caracterizam a qualidade da água e a contaminação da água (Taner et al., 2011). Os métodos convencionais utilizados para analisar e transportar a qualidade da água são normalmente baseados na comparação dos valores dos padrões com os regulamentos locais (Liu et al., 2012). No entanto, é impossível caracterizar claramente a qualidade da água, levando em consideração o comportamento de cada parâmetro individual separadamente (Ministério de Obras Públicas e Urbanismo, 1983). A solução é a integração dos valores de um grupo de variáveis físicas e químicas em uma única classificação. Assim, o conceito de Índice de Qualidade da Água (IQA) foi desenvolvido pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) em 1970 (Brown et al., 1970) como uma ferramenta de avaliação comprovada e eficiente de água (Banerjee et Srivastava, 2009).

O IQA resulta em um único número, como em uma classe que mostra as condições gerais da água em uma determinada área e tempo com base em vários fatores de qualidade da água (Bordalo et al., 2007). O IQA é um número adimensional que conecta múltiplos parâmetros de qualidade da água em uma única classe, normalizando valores para curvas de classificação subjetivas (Sharifi, 1990).

O objetivo principal deste trabalho é detectar a influência do turismo na qualidade da água do município de Paraty e dos corpos de água envolventes, analisar parâmetros individuais e utilizar o IQA durante a alta e baixa temporada turística.

2. ÁREA DO ESTUDO

Localizada na costa sul do estado do Rio de Janeiro, Paraty representa um município de 30.000 habitantes (Conti et Irving, 2014), dos quais aproximadamente 15.000 estão concentrados na área urbana, dentro e nos arredores da cidade de Paraty (Figura 1). Os outros 15.000 estão dispersos em comunidades de menor tamanho em volta do município. A maioria desses indivíduos trabalha com turismo e pesca. Paraty é reconhecida como uma das maiores atrações turísticas dos municípios do estado do Rio de Janeiro e abrange, também, 40% do Parque Nacional das Montanhas Bocaina (Conti et Irving, 2014).

A área de estudo encontra-se em um espaço de conservação legal, denominado Parque Cairuçu. É cercada pela Mata Atlântica, apresentando pontos turísticos naturais como cachoeiras, rios de águas cristalinas, manguezais e praias em estado natural, e é uma importante área protegida para a conservação do bioma da Mata Atlântica (Conti et Irving, 2014). Atualmente, essa região está passando por um processo de desenvolvimento turístico e é a segunda vila em número de unidades habitacionais, o que corresponde a aproximadamente 900 leitos, representando 14,19% do total na área de Paraty (Prefeitura Municipal de Paraty, 2003). Nos meses de verão (alta temporada) recebe até 40.000 visitantes em um único fim de semana (Conti et Irving, 2014), aumentando os volumes de esgoto, lixo, barcos e carros em áreas adjacentes, podendo resultar em impactos ambientais (Conti e Irving, 2014).

Figura 1

Figura 1. Local do estudo

3. MATERIAIS E MÉTODOS

De acordo com a abordagem aplicada, foram selecionados 20 pontos de amostragem (7 estações de água marinha - "M" e 13 estações fluviais - "R") como representantes das águas do sistema estuarino (Figura 2) durante o refluxo, em ambas as campanhas (Estações de inverno e verão - chamado no presente estudo como "baixa" e "alta", respectivamente). As amostras foram colhidas com garrafas Van Dorn à profundidade subterrânea e foram armazenadas em garrafas de vidro esterilizadas. Métodos adequados foram tomados para a garantia de qualidade das amostras de água coletadas.

Figura 2

Figura 2. Estações de Amostragem

As medições de temperatura da água, turbidez, condutividade e pH foram tomadas "in situ" utilizando uma sonda Hanna HI98129. As concentrações de oxigénio dissolvido (mg/L) e saturação (%) dentro da coluna de água foram medidas utilizando um Medidor Portátil DO2 Jenway 970.

Foram realizadas análises laboratoriais para determinação do nitrato total, fosfato total, demanda bioquímica de oxigênio (DBO5), matéria específica sólida e contagem de coliformes fecais e totais. Os nitratos foram analisados utilizando um método de redução de cádmio. Os fosfatos são testados utilizando persulfato de potássio seguido de digestão com ácido sulfúrico. Os valores de DBO foram determinados pelas diferenças entre a medição inicial da concentração de oxigênio dissolvido (mg/L) e a concentração resultante de oxigênio dissolvido após o período de 5 dias (EPA, 1999). Coliformes fecais e termotolerantes foram analisados utilizando o método 1680 (EPA, 2002).

Dezesseis compostos de hidrocarbonetos. aromáticos polinucleares (HAP) foram identificados pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA - US Environmental Protection Agency) como contaminantes prioritários (Guo et al, 2007) e têm seus principais impactos significativos nos ambientes marinhos, pois incluem a maior classe conhecida de carcinógenos químicos e mutagênicos (Cardellicchio et al., 2007). A determinação de hidrocarbonetos poliaromáticos em água foi realizada pelo método cromatográfico de acordo com o Método EPA 8272.

Para a determinação do IQA das diferentes estações de amostragem fluvial estudadas, foram utilizados nove parâmetros para aplicação de NSF-IQA: oxigênio dissolvido, coliformes termotolerantes, pH, temperatura, fosfato total, nitrato, turbidez (NTU), demanda bioquímica de oxigênio e total de sólidos em suspensão (Brown et al, 1970). O IQA foi calculado para cada fator como o produto do valor-Q e do fator de ponderação.

     IQA = valor-Q x fator de ponderação

O IQA global é a média ponderada de todos os valores-Q:

    IQA Global = Σ (valor-Q x Fator de ponderação) / Σ Fatores de ponderação

A Tabela 1 mostra os valores sugeridos pelas classificações resultantes do cálculo do IQA, de acordo com as normas europeias (UE, 1975). Quando os valores de IQA estão no intervalo de 0-19, a água é sortida como "muito ruim"; entre os valores de 20 a 36 a água é considerada como "ruim"; na faixa de 37 a 51, a água é classificada como "média"; finalmente, quando os valores do IQA atingem valores entre 52 a 79 e 80 a 100, a água é classificada como "boa" e "excelente", nessa ordem (Jonnalagadda et Mhere, 2001).

Tabela 1. Classificações do Índice de Qualidade da Água (IQA)

Tabela 1

Fonte: U.S. EPA. (1978)

4. RESULTADOS

Os objetivos dos levantamentos da qualidade da água são descrever as flutuações espaciais e temporais na qualidade da água e identificar as variáveis que influenciam os padrões (Mueller et al., 1997). Tal como outros parâmetros utilizados como indicadores da qualidade da água numa avaliação de ambiente aquoso, o pH é importante para estudos de águas costeiras e acoplamentos físico-biológicos (Frankignoulle et Borges, 2001). Além disso, os organismos aquáticos que vivem permanentemente na água são particularmente sensíveis a mudanças no pH (Mudge et Haller, 2009). A diminuição dos valores de pH em condições ácidas também pode influenciar a mobilidade de outros poluentes, incluindo metais pesados (Violante et al., 2010). Finalmente, de acordo com Grupta et al., 2011, o pH parece ser influenciado pelo uso crescente de detergentes alcalinos descarregados em esgotos domésticos.

No presente estudo, na alta estação, os valores de pH variaram entre 5,95 e 7,99. Por outro lado, na baixa estação, os valores variaram entre 6,25 e 8,38 nos mesmos locais. Nenhuma variação anômala foi registrada na presente pesquisa. Em geral, o pH estava dentro dos limites dos valores padrão (APHA; AWWA; WEF, 1999). Para água potável, recomenda-se uma gama de pH entre 6,0 e 8,5 (U.S. EPA, 1978). Em ambas as campanhas, as estações de amostragem fluvial apresentaram valores menores. Comparando ambos os grupos de locais de amostragem (fluvial e marinho), as diferenças tornaram-se claras. Resultante das altas concentrações de íons em águas de alta salinidade, a água do mar fornece uma capacidade de tamponamento substancial contra mudanças de pH (Ringwood et Keppler, 2002). Assim, enquanto o pH da água do mar de mar aberto varia tipicamente entre 7,8 e 8,4, os pH estuarinos podem ser significativamente inferiores, experimentando mudanças estressantes em seus habitantes (Fabry et al., 2008).

A diferença entre os valores médios de ambas as estações pode ser atribuída ao regime meteorológico e sua influência na foto síntese. No presente estudo, os valores de pH não sugeriram nenhum resultado anômalo. Por outro lado, embora a magnitude real da diferenciação possa parecer pequena, é importante considerar que o pH é baseado em uma escala logarítmica; portanto, mesmo uma mudança de 0,2 para 0,5 unidades pode ter enormes impactos fisiológicos.

A salinidade da água do estuário pode indicar a quantidade de água doce misturada com água do mar em uma determinada área. O regime de marés também contribui para o equilíbrio de salinidade juntamente com o vento e as correntes dinâmicas. Além disso, a atividade humana pode afetar a salinidade. Se a água é retirada de um rio para uso humano, como no exemplo da irrigação de culturas, haverá menos água doce fluindo a jusante e um estuário se tornará mais salino. No presente estudo, a salinidade variou entre 0,01 e 33,03. As diferenças entre os padrões fluvial e marinho são claras no presente estudo (Figura 3).

A temperatura da água é um fator que pode variar consideravelmente ao longo do tempo e entre lugares. A concentração de oxigênio dissolvido na água é diretamente afetada pela temperatura e, portanto, é importante entender as variações de temperatura nos corpos de água. Nos corpos d'água de estuários, a temperatura pode ser influenciada pelas descargas de água do efluente municipal, que são fontes potenciais de poluição térmica na zona costeira. No presente trabalho não houve sinais de impacto. As temperaturas variaram entre 21,27 e 27 °C (Figura 3) na época alta. Por outro lado, na baixa temporada valores variaram entre 18,11 e 25,6 °C. As variações de temperatura mostraram-se aleatórias entre as duas campanhas e a monitorização descontínua não permite compreender a variação diária deste parâmetro.

Figura 3

Figura 3. Resultados

O oxigênio dissolvido é frequentemente usado como um IQA e é considerado pela EPA como um parâmetro de resposta primária adicional em ambientes que passam por hipóxia (U.S. EPA 2001). Esse fator é fortemente influenciado por uma combinação de variáveis físicas, químicas e biológicas, bem como de cargas de substâncias que exigem oxigênio (Mullholand et al., 2005; Quinn et al., 2005). A determinação da concentração de oxigénio dissolvido é significativa para calcular a situação natural da água e para registar sinais de impacto ambiental, como a eutrofização ou a poluição orgânica (Carmouze, 1994).

As águas marinhas em todos os locais de amostragem foram muito bem oxigenadas em ambas as campanhas. Por outro lado, durante a alta estação nos locais de amostragem fluvial, as concentrações de oxigênio variaram entre 2,64 e 12,75mg/L, sugerindo padrões anômalos nas estações 15R e 16R, correspondentes às estações da Vila de Trindade (Figura 3), onde os valores mais baixos foram registrados. Na estação baixa, os valores variaram entre 3,4 e 9,6mg/L, repetindo padrões de condições semi-anóxicas nos locais de amostragem 15R e 16R. Os estudos NEEA e NCCR utilizaram os limites de 2 e 5 mg L-1 para definir os limites "justo/pobre" e "bom/justo". No entanto, Sheldon et Alber (2010) descreveram algumas inconsistências na literatura sobre as unidades utilizadas para descrever concentrações de oxigênio: o critério frequentemente citado incorretamente para hipóxia de 2 mL de O2L-1 (Diaz et Rosenberg 1995) é equivalente a aproximadamente 2,85 mg de O2L -1.

A alta DBO indica que haverá baixas concentrações de oxigênio dissolvido disponíveis para a vida aquática e também a existência potencial de fontes de contaminação bacteriana. No presente estudo, a DBO variou entre N.D. e 628 mg/L durante a alta estação. Na época baixa, a DBO apresentou valores abaixo dos limites de detecção.

O monitoramento de nutrientes, particularmente o nitrogênio e o fósforo, é essencial, pois sua disponibilidade influencia a produtividade primária em ambientes aquáticos de água doce. Níveis elevados de nitrato ou fosfato podem afetar adversamente a qualidade da água superficial através da eutrofização ou toxicidade para a vida aquática (Sheldon et Alber, 2011). De acordo com Hermes et Silva (2004), os níveis de concentração de fosfato de 0,01mg/L são suficientes para manter a biomassa fitoplanctônica e concentrações de 0,03 a 0,1 mg/L (ou mais) são propícias para resultar em uma produtividade descontrolada. No presente estudo, as concentrações de fosfato variaram entre 0,06 e 0,42 mg/L na alta estação. Os valores registrados nas estações fluviais 3R e 12R e nas estações marítimas 15R e 16R apresentaram níveis acima dos limites estabelecidos pela legislação brasileira (Ministério do Meio Ambiente, 2005), que estabelecem o valor de 0,025 mg/L para água doce, e 0,031 mg/L para água salgada (Figura 3). Na baixa temporada de turismo, os valores dos níveis registrados variaram entre N.D. e 0,04. Os maiores valores foram registrados nas estações de amostragem 15R e 16R, sugerindo a possibilidade de influência antropogênica de acordo com outros parâmetros analisados neste estudo.

O nitrogênio pode ser liberado para o ambiente por fontes naturais, como erosão do solo ou detrito vegetal ou animal. Por outro lado, as fontes antropogênicas podem incluir fertilizantes do solo ou resíduos animais/vegetais. De acordo com a legislação brasileira (Ministério do Meio Ambiente, 2005), o nível máximo aceito é 0,7 mg/L de nitrogênio, para água doce. Todos os valores das concentrações de nitratos foram registrados abaixo das concentrações-limite estabelecidas pela legislação (Figura 3) em ambas as campanhas.

Os sólidos suspensos na coluna de água normalmente entram no sistema aquoso como resultado da erosão do solo a partir de terrenos perturbados ou podem ser usados como um traçador do influxo de efluente das estações de tratamento de esgoto. As partículas sólidas suspensas também ocorrem naturalmente na água devido à erosão do banco e do canal, contudo, este processo tem sido acelerado pelo uso humano das vias navegáveis. O presente estudo mostrou claras diferenças entre as estações de amostragem marinhas e fluviais. Nas estações fluviais os valores variaram entre N.D e 91 mg/L na alta estação. Por outro lado, os valores marinhos variaram entre 62.266 e 136.526 mg/L (Figura 3). Inversamente, na baixa estação, as concentrações eram mais baixas do que na alta estação. Os estuários são geralmente mais turvos do que as águas marinhas e fluviais devido à entrada de sedimentos de rios, à presença de densas populações de fitoplâncton e à força das correntes de maré que impedem a deposição de partículas finas. Pode haver influências sazonais marcadas na turbidez nos estuários causada por mudanças no fluxo do rio. As inundações geralmente aumentam os níveis de turbidez.

A turbidez é influenciada pela soma de muitos fatores como influxo fluvial, forças físicas (maré e força e direção do vento), geomorfologia local e disponibilidade de sedimentos através de um conjunto de complexas interações envolvendo dinâmica de turbulência, processos de floculação, transporte de solutos e equilíbrio de sedimentação/erosão (Mitchell et al., 1998). Normalmente as condições de turbidez mais altas ocorrem na interseção água doce/água do mar; isto ocorre devido ao movimento da água dentro e fora do estuário por meio das marés, levando as partículas finas a se misturarem e se agitarem. No presente estudo, os valores de turbidez variaram entre 2 e 13 UNT, e estavam abaixo da legislação estipulada em ambos os casos, em água doce e salgada (Figura 3). A única estação que apresentou um resultado anômalo foi a estação 19R, com um valor de 26 UNT, que pode ser ligada à ressuspensão do sedimento do fundo durante a campanha de amostragem. O ecossistema estudado consiste numa linha costeira onde se localizam muitas pequenas bocas de rios. Assim, o baixo fluxo de água doce não oferece perturbações físicas significativas à linha costeira. No entanto, os leitos dos rios são predominantemente compostos de granulometria grossa, não representando uma fonte de material fino para a coluna de água. Por outro lado, a dinâmica da turbidez é afetada pela salinidade, uma vez que a presença de sal nos estuários tem o efeito de diminuir a turbidez. Finalmente, a baixa descarga de água doce na água salgada marinha tende a resultar em baixa turbidez como foi registrado no presente estudo.

Os compartimentos de água doce são prováveis fontes de contaminação fecal que são transportadas da bacia hidrográfica local, incluindo aquelas provenientes de escoamento e esgotos agrícolas, bem como de animais selvagens e domésticos (Howell et al., 1995; Alderisio et DeLuca, 1999; Gerba, 2000; Guber et al., 2006). No presente estudo, a maior concentração foi registrada nas estações de amostragem 15R, 16R, 17R, 19R e 20R, sugerindo que os riachos das Vilas de Trindade e Laranjeiras são corpos de água ribeirinhos impactados. O mesmo padrão foi registrado na época baixa e foi menor do que o registrado na alta temporada. As diferenças entre as duas campanhas sugerem o aumento do teor de coliformes na alta estação, embasando a possibilidade de sobrecarga da infraestrutura municipal durante o período de férias.

Finalmente, no presente estudo, as concentrações de HAP foram baixas em todos os locais das amostras. Os HAP aquosos não foram detectados durante a atividade de baixo nível de navegação. Por outro lado, as concentrações de naftaleno foram registradas em todas as amostras marinhas (variação entre 0,11 e 0,41ug/L) durante o período de férias, sugerindo a influência dos navios turísticos nas águas costeiras.

Os resultados do IQA registrados no presente estudo descreveram um ambiente já impactado. Apesar de a grande maioria dos pontos estarem acima do nível aceitável, espera-se que uma área localizada dentro das áreas protegidas seja classificada como de boa ou de excelente qualidade. Apesar disso, no presente estudo, apenas sete das estações de amostragem (2, 4, 6, 8, 9 e 18) foram classificadas como boas, na alta estação (Tabela 2). Por outro lado, na baixa estação, quase todas as amostras apresentaram melhora na qualidade da água, sugerindo a influência do aumento da população local na qualidade da água.

Os piores resultados do IQA foram registrados nos locais de amostragem 15R e 16R. Inicialmente, as mesmas estações foram apontadas pelos parâmetros individuais como estações críticas, talvez por causa da proximidade da concentração populacional das Vilas de Trindade e Laranjeiras.

Comparando os resultados de ambas as campanhas, observou-se uma clara tendência em relação ao agravamento da condição ambiental na alta estação turística (Figura 4), sugerindo que a capacidade de tamponamento local foi transposta.

Figura 4

Figura 4. Comparações de IQA (WQI)

Tabela 2 Resultados do IQA e comparação sazonal

Tabela 2

5. CONCLUSÃO

O presente estudo, envolvendo monitoramento sazonal, sugere a influência poluente das atividades relacionadas ao turismo nesses corpos de água na área de proteção ambiental do Cairuçu. Registaram-se sinais de eutrofização, principalmente nos corpos d'água da comunidade de Trindade. A análise precisa ser mais realçada para encontrar a evolução espaciotemporal no ambiente estuarino. Outros parâmetros devem ser avaliados sob as observações de séries temporais mais intensas para a gestão sustentável dos ecossistemas.

Uma vez que os efluentes contaminados alteram a ecologia do ambiente costeiro, afetando a comunidade biótica do ecossistema, as informações do presente estudo podem ser usadas para a futura gestão do turismo marinho na Vila de Trindade.


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