Gestão de recursos hídricos sob a ótica do planejamento da drenagem urbana e do uso do solo: o caso da Bacia do Rio Trapiche, Itaguaí/RJ

Marcelo Obraczka1, Werner Bess D'Alcantara2, Livia Machado De Lima3

1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2 Universidade Estácio de Sá; 3 Universidade Federal Fluminense


RESUMO

Em meio século, um processo de urbanização desenfreada converteu uma população rural em um contingente concentrado majoritariamente nas cidades do país. Caracterizado pela carência de planejamento, permitiu a ocupação de áreas frágeis/inadequadas desconsiderando necessidades de infraestrutura, como dotar as moradias de acesso e esgotamento sanitário. Ainda hoje, muitas cidades utilizam seus rios para afastamento dos esgotos, piorando sua qualidade ambiental e capacidade de escoamento. As dificuldades para enfrentamento de tantos problemas são maiores pela diversidade de competências envolvidas. A gestão dos recursos hídricos é exemplo da necessidade de interação entre diversos sistemas: um plano de drenagem pode servir como elemento integrador por lidar com aspectos de saneamento, resíduos, uso do solo e macrodrenagem. Nessa linha, este trabalho apresenta o desenvolvimento do planejamento de macrodrenagem baseado no estudo de caso da Bacia do rio Trapiche, em Itaguaí/RJ, empregando-se modelagens simples, de baixo custo e mais acessíveis, por exemplo, para pequenas prefeituras. Enfatizou-se a utilização de medidas sustentáveis, de caráter não estrutural, como uso de instrumentos de gestão para aumento da capacidade de infiltração/amortecimento da bacia. O objetivo é minimizar o pico das cheias, as frequentes enchentes e riscos de sinistros na bacia do Centro, onde se situam as principais atividades administrativas e comerciais do município.

Palavras-chave: Gestão de Recursos Hídricos; Drenagem.


INTRODUÇÃO

Com o crescimento das demandas das comunidades urbanas atuais e partindo-se da premissa de que ações de prevenção sempre se demonstram mais eficazes e economicamente mais viáveis do que as de remediação, vem sendo demonstrada a necessidade de execução de um planejamento eficaz, que capte os anseios de uma sociedade diversificada como a moderna. Entre muitos aspectos, esse planejamento deve levar em conta a demanda por integração de diversas políticas, planos e projetos, além da atuação de diferentes órgãos da administração pública e suas respectivas competências.

Recentemente, a necessidade de planejamento e integração de questões urbanas relevantes, como a adequação do saneamento, da gestão dos resíduos sólidos e da drenagem, levou o poder público federal a exigir que as municipalidades brasileiras elaborassem seus respectivos Planos Municipais de Saneamento, dando ênfase à integração institucional do Saneamento Ambiental, incluindo abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de águas pluviais e resíduos sólidos.

Concomitantemente às demandas de expansão gradativa da área de atuação da administração municipal, aumentam as dificuldades dos órgãos locais em gerir e operar todos esses sistemas. Os municípios se deparam com crescentes desafios de gestão e planejamento, precisando, portanto, se instrumentalizar, capacitando-se para desempenhar essa vasta gama de atribuições. Isso ocorre ao mesmo tempo em que eles convivem com uma notória carência de recursos e de pessoal capacitado para exercer adequadamente tanto as novas como as antigas responsabilidades.

No que diz respeito à gestão de recursos hídricos, ela é de competência e está atrelada ao órgão gestor estadual (o INEA, no RJ) e aos Comitês de Bacia Hidrográfica, embora esses não legislem diretamente sobre algumas questões fundamentais para que essa gestão realmente ocorra, fazendo com que sua atuação não seja eficiente. Aspectos como a gestão de uso de solo, de resíduos sólidos e drenagem urbana são todos de competência municipal (INEA, 2014).

Com exceção da atuação de alguns comitês de bacias mais importantes, e mesmo com a existência de um Plano de Bacia, o planejamento e a execução de ações e medidas é executado prioritariamente pelo órgão estadual, com exceção de rios federais. Por outro lado, poucas municipalidades dispõem de órgãos específicos para gestão de recursos hídricos, ficando a drenagem usualmente sob a responsabilidade de uma secretaria de obras e/ou de serviços públicos.

De acordo com Canholi (1995), a drenagem é basicamente uma questão de alocação de espaços e a priorização de medidas “higienizadoras” transportam simplesmente os problemas para jusante. Por muitas vezes transcender os limites geopolítico-administrativos municipais ou mesmo estaduais, a drenagem deve ser considerada como um sistema de abordagem regional, sendo a bacia hidrográfica a unidade básica de planejamento.

A proposta de se planejar uma bacia urbana levando-se em consideração o problema das enchentes está vinculada à percepção de que tanto existem problemas a serem resolvidos quanto oportunidades a serem exploradas (Prefeitura de São Paulo, 2012). A drenagem faz parte da infraestrutura urbana e seu planejamento deve ser multidisciplinar e compatibilizado com outros planos e projetos de setores envolvidos no serviço público (e privado), especialmente aqueles voltados e/ou que possuam interface com a gestão das águas urbanas. Esse alinhamento deve sempre ocorrer em questões que envolvam a necessidade da ação integrada das esferas de governança visando à prevenção e/ou minimização de cheias, como na delimitação da faixa marginal de proteção dos corpos hídricos. É importante também existir uma consonância entre planos de zoneamento, planos diretores municipais e outros dispositivos correlatos.

Como fatores preponderantes no planejamento da drenagem urbana, podem ser citados os aspectos fisiográficos, hidrológicos e hidráulicos, questões construtivas e operacionais, o saneamento ambiental, além das questões sociais, políticas, econômicas, institucionais e administrativas. O conceito de drenagem em bases mais sustentáveis consiste em privilegiar, na estruturação do planejamento, o enfoque de que as grandes obras e intervenções não são necessariamente prioritárias, dando-se mais ênfase a medidas do tipo não estrutural (Canholi, 1995), especialmente considerando horizontes de curto e médio prazos.

Essas medidas não estruturais abrangem diversos tipos de ação, como aquelas que implementam a conservação e recuperação do meio natural. Priorizam-se aspectos de ordem sistêmica, como o aumento de áreas permeáveis na bacia para promoção de maior infiltração, maior retenção na fonte, além de buscar a redução dos processos erosivos e do assoreamento. Seu propósito principal é reter e/ou diminuir o run off, aumentar a capacidade natural de amortecimento da bacia, reduzindo em consequência os picos de vazão, evitando a simples transferência dos impactos e problemas das cheias para jusante, que usualmente ocorrem ao se priorizarem obras que causam aumento da velocidade de escoamento e reduzem o tempo de concentração da bacia.

O zoneamento de áreas potencialmente inundáveis e a delimitação das faixas marginais de proteção são outros mecanismos que podem ser utilizados. De acordo com Tucci (2010), por meio da delimitação das áreas sujeitas à inundação em função do risco. É possível estabelecer um zoneamento e a respectiva regulamentação para construção ou mesmo sua vedação. Esse tipo de abordagem considera também outros aspectos não menos importantes, como o aperfeiçoamento da gestão e manutenção do sistema, além de maior participação da comunidade abrangida.

Por outro lado, a utilização desse modelo não implica necessariamente na supressão total de medidas estruturais porventura necessárias. São consideradas medidas estruturais aquelas que correspondem às obras e intervenções físicas que podem ser implantadas visando à correção e/ou a prevenção dos problemas decorrentes das enchentes, e incluem medidas como aumento de seção e retilinização de rios, implantação de estruturas de amortecimento, túneis de desvio, entre outras. (Canholi, 2005). De uma maneira geral, os custos de proteção de uma área inundável por medidas estruturais são maiores do que aqueles relativos a medidas não estruturais. De acordo com Walesh (1989), estima-se que o custo de medidas estruturais referente a proteção contra inundações de uma área correspondente um terço de uma bacia era, em média, equivalente ao custo de proteção por medidas não estruturais da área total restante da mesma bacia. Canholi (2005) sustenta que, por outro lado, uma determinada medida estrutural pode criar uma falsa sensação de segurança, levando eventualmente a uma maior permissividade na ampliação da ocupação das áreas inundáveis, que futuramente podem resultar em prejuízos e danos significativos.

Ainda segundo Canholi (2005), ações não estruturais procuram disciplinar a ocupação territorial, o comportamento de consumo das pessoas e as atividades econômicas. Abrangem os mecanismos que são inseridos na legislação, normas e gestão para cumprimento dos objetivos, princípios e estratégias, como por exemplo, a regulamentação do uso e ocupação do solo, a implantação de sistemas de alertas e previsão de inundações e a conscientização da população para a manutenção dos dispositivos de drenagem em bom estado.

O presente trabalho apresenta um estudo de caso de gestão municipal e de planejamento com foco nos recursos hídricos, procurando privilegiar aspectos de competência local como a drenagem pluvial e o uso e ocupação do solo, bem como medidas baseadas em um conceito de maior sustentabilidade.

Em se tratando de projetos voltados a drenagem urbana, constata-se que não há disponibilidade e/ou suficiência de dados fluviométricos. Portanto se faz necessária a realização de análises matemáticas para definição de parâmetros de projeto de forma não empírica, utilizando-se de simulações e modelos para essa finalidade. Esses modelos são alimentados em seu início a partir de dados fisiográficos, pluviométricos e hidrológicos que geram os dados de vazão e deflúvio necessários às simulações hidráulicas subsequentes. Essas modelagens possibilitam prever e estudar cenários que podem vir a ocorrer na prática em função de uma conjuntura de fatores, da variação de parâmetros, como o tempo de recorrência, ou mesmo resultado de uma determinada intervenção na bacia.

No presente estudo, o objetivo específico foi verificar a viabilidade do uso dessa modelagem hidrológica e hidráulica como ferramenta de planejamento, utilizando-a para avaliar o impacto de intervenções não estruturais em uma bacia de drenagem, real, no caso a do Canal do Viana, integrante da Bacia do rio Trapiche, em Itaguaí/RJ.

Considerações gerais sobre a área de projeto

Situado às margens da baía de Sepetiba e dispondo do maior porto do estado do RJ, Itaguaí é um município em franco desenvolvimento. Conta atualmente com grandes investimentos públicos e privados, principalmente devido a sua localização estratégica, já que se situa entre as duas maiores metrópoles do país. A taxa de crescimento demográfico se situa entre as mais altas do Estado e do país (IBGE,2010). Entretanto, em importantes requisitos o município de Itaguaí ainda não possui uma estruturação urbana adequada, sendo seu sistema de saneamento muito precário. O município possui um IDH de 0,715, o 1475º do país (PNUD, 2010).

Como não existe rede coletora de esgotos sanitários do sistema separador absoluto, os efluentes deságuam nos corpos hídricos locais (CEDAE, 2014). A demanda por água é reprimida, sendo bem maior do que a oferta, de acordo com informações da prefeitura local. No caso de maior oferta de água, a tendência é que haja considerável aumento da vazão de efluentes. Sem a implantação do sistema de esgotos, isso certamente levará a uma maior deterioração da qualidade ambiental dos corpos hídricos, por sua vez já bastante castigados.

Com relação aos resíduos sólidos, há coleta regular de lixo, sendo a destinação final efetuada atualmente no aterro do município vizinho de Seropédica (Prefeitura de Itaguaí, 2014). Itaguaí pertence à região hidrográfica do rio Guandu. Suas três principais bacias de drenagem são as do rio Itaguaí, do Rio Mazomba-Cação e do rio Trapiche, todas desaguando direta ou indiretamente na baía de Sepetiba. Além de não disporem de enquadramento, os corpos hídricos em questão não são monitorados e há grande escassez de informações a seu respeito, com exceção do rio Mazomba-Cação (INEA, 2014).

Com quase 100% de sua bacia de 9 km² impermeabilizada, o rio Trapiche possui o seu curso principal, cerca de 5 km, inserido na região central do município, exatamente onde está situado o centro administrativo e comercial da cidade. Suas margens e de seus afluentes são quase que integralmente ocupadas com edificações não formais.

O relevo e as condições fisiográficas, que aliam serras íngremes à montante e planícies litorâneas com baixa declividade de álveo, aliadas a uma intensidade pluviométrica elevada, geram picos de cheias em tempos de concentração relativamente curtos. O elevado grau de impermeabilização e a ocupação das calhas dos rios e de suas adjacências pelo processo de urbanização sem controle e sem planejamento contribuem para formar um cenário bastante propício a enxurradas/enchentes, sendo que pelo histórico verificado elas tendem a ser cada vez maiores e mais frequentes. A situação se agrava quando esses eventos são associados a um elevado nível de maré do corpo hídrico receptor principal, a baía de Sepetiba.

METODOLOGIA

Este trabalho foi fundamentado no desenvolvimento de uma etapa inicial referente à calibragem de um modelo para utilização no desenvolvimento de um plano de drenagem para toda a bacia que abrange a área central do município de Itaguaí, que é cortada pelos três rios supramencionados.

De posse de uma base cartográfica geral da área, foi feita uma delimitação das sub-bacias, considerando os divisores topográficos. Em seguida, analisou-se a tipologia dos trechos característicos de cada sub-bacia, a partir de determinados parâmetros.

Foram considerados aspectos como o tipo de uso do solo predominante (rural ou urbano), grau/densidade de ocupação das margens e declividade longitudinal do talvegue principal. Para essa finalidade foram utilizados os dados topográficos e batimétricos preliminares disponíveis, além de ferramentas como o Street View do GoogleEarth, além de farta documentação fotográfica proveniente do local.

Pela sua maior complexidade, foi então adotada como referência inicial para o presente estudo a bacia do rio Trapiche. Para um melhor entendimento e análise, ela foi então subdividida em três bacias menores, em função dos seus principais afluentes. Essas foram denominadas a partir do nome dos rios/canais que as formam: bacia do canal do Bairro do Engenho, canal do Viana e rio Trapiche propriamente dito, com áreas de 3 km², 2,5 km² e 3 km², respectivamente.

Em seguida, foram novamente subdivididas, a partir da definição de pontos notáveis (“nós”), que foram arbitrados em pontos específicos tais como pontes/estrangulamentos de seção, confluências, e afluência de bacia/contribuição externa. Na bacia do rio Trapiche foram contabilizados um total de 18 trechos distintos.

Considerando ser o canal do Viana um dos seus principais tributários, bem como a sua maior disponibilidade de dados para modelagem inicial dos cenários, foi então adotado como piloto e base para a modelagem que trata o presente trabalho. Para dar-se sequência as modelagens necessárias, e a análise dos trechos do rio e da área de estudo, definiu-se como modelo hidrológico o de transformação chuva-vazão, obtendo-se os hidrogramas resultantes da chuva efetiva, calculada pelo método SCS “Curve Number” – CN. A transformação chuva-vazão foi realizada pelo método do hidrograma unitário do SCS. Para tempos de recorrência da chuva de projeto, foram definidos períodos de retorno variando de cinco a 50 anos (cinco, 10, 25 e 50 anos), usuais em drenagem urbana.

Para a modelagem hidrológica, o presente estudo utilizou o software de simulação hidrológica HEC-HMS, da plataforma HEC (Hydrologic Engineering Center), desenvolvido pelo Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos (U.S. Army Corps of Engineers), bastante difundido e utilizado em projetos dessa natureza. Sua utilização é gratuita, o que facilita seu uso. A partir de dados de entrada como chuva de projeto, parâmetros físicos da bacia e hidrológicos do modelo selecionado, o software adotado calculou a precipitação excedente e simulou o processo chuva-vazão.

Para as simulações hidráulicas, foi utilizado o software HEC-RAS, também desenvolvido pelo Exército dos EUA. Com base na topografia disponível, foi analisada a capacidade de escoamento, em função da calha, pontos de estrangulamento e de outras características que influenciam diretamente o desempenho hidráulico de cada trecho estudado, incluindo avaliação de remanso, e amortecimento natural do corpo hídrico.

A partir das modelagens e da base cartográfica montou-se um modelo digital de terreno (MDT). O MDT foi gerado no ArcGIS 10.2, a partir das curvas de nível equidistantes de 1 metro e pontos provenientes de uma base de topografia obtida pelo software Global Mapper com bases cartográficas do IBGE.

A partir da definição do modelo de desenvolvimento do estudo hidrológico e hidráulico, bem como de sua melhor forma de utilização, foi então feita uma avaliação preliminar, utilizando-se como área piloto a bacia do canal do Viana.

Procedeu-se a comparação entre o cenário atual (baseline) e cenários futuros, que podem ser atingidos a partir do planejamento e adoção de determinadas medidas visando melhorar as condições de drenagem da bacia, minimizando as manchas de inundação resultantes e riscos de enchentes. Foi considerado que essas melhorias podem ser atingidas através do aumento da capacidade de infiltração e de amortecimento da bacia como um todo, por intermédio da adoção de intervenções não estruturais. Para subsidiar essa simulação, partiu-se da premissa de que o uso de instrumentos como zoneamento de áreas de risco/inundação, criação de parques lineares municipais e o incentivo a medidas que mantenham e/ou recuperem a mata ciliar e a cobertura vegetal podem conduzir a um aumento na área de infiltração da ordem de 50% em relação à área total da bacia. Tal infiltração repercutiu por sua vez em uma redução significativa no CN ponderado das áreas da bacia do canal do Viana, que no cenário atual possui um CN referente a 95% da bacia impermeabilizada. Com a mudança do CN, puderam ser observados e avaliados os resultados na modelagem hidráulica. Como fator de segurança, não foi considerada uma redução da permeabilidade da bacia externa de contribuição ao Viana.

Foram realizadas simulações para essa bacia utilizando-se chuvas referentes aos TR extremos, ou seja, de cinco e de 50 anos. Assim pode-se avaliar seu comportamento para as vazões mínima e máxima estimadas de escoamento no canal em questão.

SÍNTESE E COMPARAÇÃO DOS RESULTADOS OBTIDOS

Os dados obtidos a partir da modelagem e comparação dos dois cenários básicos estudados (Tabela 1) indicam que com o aumento da infiltração previsto para a bacia houve uma nítida diminuição na vazão de drenagem em todos os trechos estudados, com exceção do trecho referente a bacia externa (VI-01), já que nele se manteve as atuais condições de impermeabilização. Considerando a vazão total drenada e escoada no trecho mais de jusante, somente o aumento de permeabilidade/infiltração foi responsável pela redução de cerca de 20% dos caudais correspondentes a chuvas com tempo de recorrência de cinco e 50 anos, respectivamente.

Tabela 1. Vazões obtidas por trecho do Viana para Tr de cinco e 50 anos

Figura 1

Todavia, essa redução não demonstra ser por si só suficiente para mitigação da mancha de inundação gerada, uma vez que as linhas d’água correspondentes às chuvas extremas adotadas no modelo (para cinco e 50 anos) extrapolam de toda forma a capacidade de escoamento do corpo hídrico avaliado (Figuras 1 e 2).

Figura 1. Linhas d’água para 95% de impermeabilização da bacia do Viana (cenário atual)

Figura 2

Figura 2. Linhas d’água para 50% de impermeabilização da bacia do Viana (cenário futuro)

Figura 3

O trecho mais crítico identificado se situa entre as Ruas Emiliano Neri da Silva e Prof. Luis de Souza, onde as linhas d´água previstas indicam significativos transbordamentos para ambos os tempos de recorrência considerados. Portanto, em paralelo se faz necessária a adoção de medidas estruturais nesses locais. Tais adequações visam o incremento da capacidade de escoamento dos trechos críticos, a partir de intervenções como o aumento de calha do rio, supressão dos estrangulamentos existentes, entre outras.

Mesmo necessitando proporcionar o escoamento de maiores vazões, os trechos situados mais a jusante não apresentaram maiores problemas, tendo em vista a boa capacidade de escoamento da calha nesses locais, onde inclusive a prefeitura realiza dragagens periódicas.

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Em que pese se tratar somente de resultados preliminares, e que se referem a apenas um trecho específico de toda uma bacia, pode ser constatado que a metodologia e a modelagem utilizadas atendem as demandas básicas de um estudo genérico com as características um Plano, e poderão servir de base para restante do trabalho. Os dados obtidos pelo presente diagnóstico – feito com base no roteiro metodológico apresentado – demonstraram-se ser pertinentes e consonantes com as informações obtidas junto aos técnicos da Prefeitura e a moradores ouvidos pelas equipes de campo. A metodologia demonstrou ser também ágil e de fácil manipulação.

Não obstante, é importante ressaltar que a modelagem apresenta algumas restrições, como por exemplo, a necessidade de um maior número de seções de controle e de maior precisão das mesmas. Para isso, devem ser incluídos na modelagem outros aspectos, tais como a influência de diferentes níveis de maré do corpo receptor, e de intervenções que mudam as características de escoamento, como as dragagens preventivas realizadas pela Prefeitura.

Os vários cenários passíveis de serem gerados poderão balizar melhor o processo de planejamento, definição de prioridades e de tomada de decisão. Através da modelagem piloto para área prioritária do projeto, foi possível verificar a existência e a localização de pontos críticos na bacia do Viana, compatíveis com as observações realizadas nas vistorias de campo realizadas até o presente.

Verificou-se ainda que o maior problema de drenagem dessa bacia – a extravazão em determinados locais – ocorrem em seu trecho de montante, justamente onde também se situa a área mais densamente ocupada. Essa área é caracterizada por apresentar a quase totalidade de suas margens ocupadas por edificações, além de grande concentração/presença de efluentes sanitários no sistema de drenagem.

A permanecer o atual modelo de ocupação desordenada e sem controle da bacia, especialmente nas áreas ribeirinhas, se dará continuidade ao processo de maior adensamento e impermeabilização, com crescentes estrangulamentos das calhas dos rios, além de efeitos colaterais indesejáveis como aumento do assoreamento. Esses fatores implicarão no aumento na probabilidade de ocorrência de cheias mais intensas e nos riscos de maiores danos e prejuízos à população.

Se efetivamente aplicados, o zoneamento e a gestão de áreas ribeirinhas e inundáveis se constituem em importantes instrumentos, de custo relativamente baixo, que poderão contribuir de forma significativa tanto na melhoria das condições gerais da bacia quanto em um melhor enfrentamento dos problemas ocasionados pelas cheias. Haverá redução dos custos sociais e econômicos, dos problemas e riscos à saúde pública e da incidência de doenças de veiculação hídrica.

Porém, para o presente caso ― a Bacia do Viana ― as medidas não estruturais previstas não se demonstraram suficientes para impedir que haja enchentes, devendo ser acompanhadas por intervenções e obras de características estruturais, tais como o aumento de calha ou implantação de estruturas de amortecimento de cheias.

Recomenda-se primeiramente que se dê a devida sequência ao trabalho, aprofundando-se o estudo referente ao restante da bacia do Trapiche, seguindo-se as demais bacias de Itaguaí, que fornecerão dados mais consolidados para a elaboração de um plano de controle de cheias. Por intermédio de um MDT, e através de uma interface com o software ArcGis, pode-se realizar uma melhor avaliação dos resultados/cenários, determinando-se planimetricamente o alcance dessas cheias, e avaliando a população atingida por tais eventos a partir das dimensões da mancha de inundação correspondente a uma enchente causada por uma chuva recorrente.

Dentre outras questões a serem modeladas/avaliadas na sequência dos estudos, podem ser destacadas: adoção da estimativa da população futura pelo método de saturação urbanística, respeitando ainda as diferentes densidades demográficas existentes; avaliar diferentes cenários que considerem outros tempos de recorrência (10, 15, 25 e 50 anos), bem como cenários que expressem o impacto de diferentes combinações de medidas não estruturais e/ou estruturais.

Partindo-se do princípio, comprovado em campo, de que um dos maiores problemas da bacia em estudo é a disposição indevida de resíduos sólidos e efluentes sanitários nas calhas dos rios, córregos e canais, o planejamento de drenagem incorre na necessidade de maior compatibilidade com os demais aspectos de gestão de recursos hídricos e planejamento urbano, dentre eles especialmente aqueles relacionados ao sistema de saneamento.


REFERÊNCIAS

Canholi, A. P. (1995), Soluções estruturais não convencionais em drenagem urbana, tese de doutorado, Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo.

Canholi, A. P. (2005), Drenagem Urbana e Controle de Enchentes, São Paulo: Oficina de Textos.

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INEA. Instituto Estadual do Ambiente (2014), disponível em: http://www.inea.rj.gov.br (Acesso em 14 ago. 2014).

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